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seguintes, sua identidade. — E o que você está fazendo, Magdalena? Estamos a menos de quarenta<br />
minutos para o toque de recolher.<br />
Menos de quarenta minutos! Então já são quase oito e meia. Desloco meu peso de um pé para o<br />
outro, esforçando-me para não denunciar minha impaciência. Muitos reguladores — especialmente os<br />
voluntários — são técnicos municipais malpagos: lavadores de janelas, fiscais da companhia de gás ou<br />
guardas.<br />
Respiro fundo e digo com o máximo de inocência possível:<br />
— Queria fazer um passeio rápido até a enseada Back. — Faço o possível para sorrir e parecer um<br />
pouco idiota. — Eu estava me sentindo um pouco inchada após o jantar. — Não adianta mentir mais<br />
que isso. Vou só arrumar problemas.<br />
O líder continua me examinando, segurando minha identidade e mantendo o foco da lanterna<br />
brilhando em meu rosto. Por um segundo ele parece hesitar, e tenho certeza de que vai me liberar, mas<br />
então ele entrega minha identidade a outro regulador.<br />
— Passe pelo SSV, por favor. Certifique-se de que é válida.<br />
Meu coração despenca. SSV é o Sistema Seguro de Validação, uma rede de computadores em que<br />
estão armazenadas todas as cidadanias válidas, de cada pessoa no país inteiro. Pode levar de vinte a trinta<br />
minutos para que o computador confira um código, dependendo de quantas outras pessoas estiverem<br />
acessando o sistema. Ele não deve achar realmente que forjei uma identidade, mas me fará perder tempo<br />
enquanto alguém verifica.<br />
E, então, milagrosamente, uma voz soa em meio ao grupo:<br />
— Ela é válida, Gerry. Eu a conheço. Ela frequenta a loja. Mora na avenida Cumberland, número<br />
172.<br />
Gerry se vira e abaixa a lanterna. Pisco para espantar os pontos flutuantes em minha visão.<br />
Reconheço vagamente alguns rostos — uma mulher que trabalha na lavanderia da cidade e passa as<br />
tardes apoiada no batente da porta, mascando chiclete e lançando cusparadas ocasionais na rua; o guarda<br />
de trânsito que trabalha no centro, perto da avenida Franklin, uma das poucas áreas de Portland onde há<br />
tráfego suficiente para justificar a presença de um guarda; um dos homens que recolhe nosso lixo — e,<br />
lá no fundo, Dev Howard, dono da Quikmart, uma loja em minha rua.<br />
Em geral, meu tio traz quase todos os nossos mantimentos — enlatados, massa e carnes fatiadas,<br />
basicamente — do Stop-N-Save, sua mistura de bodega e loja de conveniência, que fica lá em Munjoy<br />
Hill, mas, de vez em quando, se estamos desesperados por papel higiênico ou leite, eu corro até a<br />
Quikmart. O Sr. Howard sempre me deu arrepios. É magro demais, e seus olhos negros encapsulados<br />
parecem os de um rato. Mas, hoje, eu poderia abraçá-lo. Nem imaginava que ele soubesse meu nome. Ele<br />
nunca me disse uma palavra além do Mais alguma coisa? depois de somar o valor de minhas compras,<br />
encarando-me sob a sombra pesada de suas pálpebras. Faço uma anotação mental de que devo agradecer<br />
a ele na próxima vez em que o vir.<br />
Gerry hesita por mais uma fração de segundo, mas percebo que os outros reguladores estão<br />
começando a se inquietar, deslocando seu peso de uma perna para a outra, ansiosos para continuar a<br />
patrulha e encontrar alguém que possam prender.<br />
Gerry deve sentir o mesmo, pois, de repente, vira a cabeça em minha direção.<br />
— Devolva-lhe a identidade.<br />
O alívio me dá vontade de rir, e preciso me esforçar para parecer séria ao pegar minha identidade e<br />
guardá-la. Minhas mãos estão tremendo muito levemente. É estranho dar-se conta de como estar cercada<br />
por reguladores provoca essa reação. Mesmo quando eles estão sendo relativamente gentis, não dá para<br />
não pensar em todas as histórias terríveis que se ouvem — as batidas, as surras e as emboscadas.<br />
— Apenas tenha cuidado, Magdalena — diz Gerry, enquanto me ajeito. — Esteja em casa antes do<br />
toque de recolher. — Ele volta a dirigir o facho da lanterna para o meu rosto. Uso o braço para proteger