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01- Delírio

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interrogatório.<br />

Alex joga sua garrafa d’água para o alto e a segura com uma das mãos.<br />

— Confie em mim, não há nada para ver. A não ser que você seja fã de lixo industrial. Temos muito<br />

disso por aqui. — Ele inclina a cabeça em direção às caçambas de lixo. — Ah… e a melhor vista para a<br />

baía em Portland. Também temos isso a nosso favor.<br />

— Sério? — diz Hana, franzindo o nariz, momentaneamente distraída de sua investigação.<br />

Alex confirma com a cabeça, joga a garrafa outra vez e a segura. Enquanto ela gira no ar, o sol brilha<br />

através da água como luz passando por uma joia.<br />

— Isso eu posso mostrar — diz ele. — Vamos.<br />

Tudo o que quero é sair dali, mas Hana diz:<br />

— Claro.<br />

Então, vou atrás dela, amaldiçoando em silêncio sua curiosidade e sua fixação com tudo relacionado<br />

aos Inválidos e jurando nunca mais deixá-la escolher nossa rota de corrida. Ela e Alex caminham na<br />

frente, e eu capto pedaços dispersos da conversa: ouço que ele frequenta uma das universidades, mas não<br />

escuto qual é o curso; Hana diz que estamos prestes a nos formar. Ele diz que tem dezenove anos; ela<br />

diz que faremos dezoito em alguns meses. Ainda bem que evitam falar sobre as avaliações arruinadas da<br />

véspera.<br />

A via auxiliar chega a outra, menor, paralela à rua Fore, seguindo uma ladeira íngreme em direção a<br />

Eastern Promenade. Aqui há fileiras de longos galpões metálicos de armazenamento. O sol está forte,<br />

alto e implacável. Estou morta de sede, mas quando Alex se vira e me oferece um gole de sua água digo<br />

“não” rapidamente e alto demais. Pensar em colocar minha boca onde a dele esteve me deixa ansiosa<br />

outra vez.<br />

Ao chegarmos ao topo da colina — todos nós um pouco ofegantes por causa da subida —, a baía se<br />

desdobra à nossa direita como um mapa gigante, um mundo brilhante e luminoso de tons azuis e verdes.<br />

Hana inspira ligeiramente. É de fato uma paisagem linda: desobstruída e perfeita. O céu está cheio de<br />

nuvens brancas e fofas, que me fazem pensar em travesseiros de pena, e gaivotas desenham preguiçosos<br />

arcos sobre a água, formando e desfazendo desenhos no céu.<br />

Hana avança alguns passos.<br />

— É incrível. Lindo, não é? Independentemente de quanto tempo eu more aqui, nunca me<br />

acostumo. — Ela se vira e olha para mim. — Acho que é minha maneira preferida de ver o oceano. No<br />

meio da tarde, com o céu ensolarado e brilhante. É como uma fotografia. Não acha, Lena?<br />

Estou tão relaxada — aproveitando o vento no alto da colina, que passa por meus braços e pernas e<br />

me refresca e me faz sentir cheia de vida, aproveitando a vista da baía e a claridade alta do sol — que<br />

quase esqueço de que Alex está conosco. Ele está atrás de nós, a alguns passos de distância, e não disse<br />

uma palavra desde que chegamos ao topo da colina.<br />

Por isso, quase morro de susto quando ele se inclina para a frente e diz uma única palavra em meu<br />

ouvido:<br />

— Cinza.<br />

— O quê?<br />

Giro meu corpo, com o coração acelerado. Hana se virou de novo para a água, e fala sobre como<br />

gostaria de ter trazido sua câmera fotográfica e sobre como as pessoas nunca têm aquilo de que<br />

realmente precisam. Alex está curvado bem perto de mim, tão perto que posso ver cada um de seus<br />

cílios, como pinceladas perfeitas de um óleo sobre tela, e agora seus olhos estão literalmente dançando<br />

cheios de luz, queimando como se pegassem fogo.<br />

— O que você disse? — repito. Minha voz sai em um sussurro rouco.<br />

Ele se inclina um pouco mais, e é como se as chamas saíssem de seus olhos e incendiassem todo o<br />

meu corpo. Nunca estive tão perto de um garoto. Sinto vontade ao mesmo tempo de desmaiar e de

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