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— Minha vez de escolher a rota — diz Hana, com os olhos brilhando, e antes que eu possa abrir a<br />
boca para protestar ela avança e me cutuca no ombro. — Peguei. Está com você — diz, e com a mesma<br />
simplicidade gira e corre para a porta, rindo, e então preciso correr para alcançá-la.<br />
* * *<br />
Choveu hoje e a tempestade esfriou tudo. A água evapora das poças nas ruas, deixando uma bruma<br />
brilhante sobre Portland. Acima de nós o céu tem um tom vívido de azul. A baía está calma e prateada, e<br />
a costa é como um cinto gigantesco, envolvendo-a, mantendo-a no lugar.<br />
Não pergunto a Hana aonde estamos indo, mas não me surpreendo quando ela nos conduz para Old<br />
Port, rumo à velha trilha que corre paralela à rua Commercial até os laboratórios. Tentamos nos manter<br />
nas ruas secundárias e menos movimentadas, mas é basicamente um jogo perdido. São três e meia da<br />
tarde. Todas as aulas terminaram e as ruas estão cheias de alunos voltando para casa. Alguns ônibus<br />
passam, e também um ou dois carros. Carros são considerados amuletos para dar sorte. Quando passam,<br />
as pessoas esticam os braços e passam as mãos pelos capôs brilhantes e pelas janelas limpas e reluzentes,<br />
que logo ficam cheias de impressões digitais.<br />
Hana e eu corremos lado a lado, relembrando todas as fofocas do dia. Não conversamos sobre as<br />
avaliações arruinadas da véspera nem sobre os boatos relacionados aos Inválidos. Há pessoas demais por<br />
perto. Em vez disso, ela me conta sobre seu exame de ética, e eu falo da briga entre Cora Dervish e<br />
Minna Wilkinson. Também falamos de Willow Marks, que não vai à escola desde quarta-feira. Correm<br />
boatos de que Willow foi encontrada pelos reguladores no parque Deering Oaks depois do toque de<br />
recolher — com um garoto.<br />
Há anos ouvimos notícias desse tipo sobre Willow. Ela é simplesmente o tipo de pessoa de quem os<br />
outros falam. Seu cabelo é louro, mas ela sempre pinta algumas mechas com canetinha especial, e lembro<br />
que uma vez no primeiro ano, em um passeio de turma a um museu, cruzamos com um grupo de<br />
garotos do Colégio Spencer, e ela disse, tão alto que uma das responsáveis poderia facilmente ter ouvido,<br />
que “gostaria de beijar um deles bem na boca”.<br />
Supostamente, ela foi flagrada com um garoto no primeiro ano do ensino médio e escapou apenas<br />
com uma advertência porque não mostrou sinais do deliria. Às vezes, as pessoas cometem erros; é<br />
biológico, um resultado dos mesmos desequilíbrios químicos e hormonais que ocasionalmente levam ao<br />
Antinaturalismo, garotos e garotas sentindo-se atraídos por outros do mesmo sexo. Esses impulsos<br />
também são resolvidos com a cura.<br />
Mas dessa vez parece que é sério, e Hana solta a notícia bombástica exatamente quando viramos no<br />
Centro: o Sr. e a Sra. Marks concordaram em antecipar em seis meses a intervenção de Willow. Ela<br />
perderá a formatura para ser curada.<br />
— Seis meses? — pergunto. Estamos correndo há vinte minutos, então não sei se as batidas fortes<br />
em meu peito são resultado do exercício ou da informação. Tenho menos fôlego do que deveria, como<br />
se alguém estivesse sentado em meu peito. — Não é perigoso?<br />
Hana inclina a cabeça para a direita, indicando um atalho por um beco.<br />
— Já foi feito antes.<br />
— Sim, mas não com sucesso. E todos os efeitos colaterais? Problemas mentais? Cegueira?<br />
Existem algumas razões para os cientistas não permitirem que pessoas com menos de dezoito anos<br />
passem pela intervenção, mas a principal delas é que a cura simplesmente parece não funcionar tão bem<br />
em pessoas mais jovens que isso e, nos casos mais graves, provoca todo tipo de problemas estranhos.<br />
Cientistas especulam que, antes disso, o cérebro e os circuitos neurais ainda são plásticos demais, estão