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Esse é o verdadeiro motivo pelo qual ela não fala. As outras palavras são sufocadas por essa única e<br />
gigante; uma palavra que ainda ecoa nos cantos escuros de suas lembranças. Mamãe.<br />
Eu sei. Eu me lembro.<br />
Sento e observo a luz nas paredes ficando mais forte, ouço o grito das gaivotas e tomo um gole de<br />
água do copo ao lado de minha cama. Hoje é dia dois de junho. Noventa e quatro dias.<br />
Gostaria que, por Grace, a cura pudesse vir mais cedo. Conforto-me pensando que ela também<br />
passará pela intervenção. Um dia, ela também será salva, e todo o seu passado e a sua dor se tornarão tão<br />
suavemente palatáveis quanto a comida que alimenta nossos bebês.<br />
Um dia todos seremos salvos.<br />
* * *<br />
Quando me obrigo a descer para o café da manhã — sentindo-me como se alguém estivesse esfregando<br />
areia em meus olhos —, a história oficial do incidente nos laboratórios já foi divulgada. Carol mantém<br />
nossa pequena tevê em volume baixo enquanto prepara o café da manhã, e o murmúrio dos jornalistas<br />
quase me faz dormir de novo: “Ontem um caminhão cheio de gado que iria para o abatedouro se misturou a um<br />
carregamento farmacêutico, resultando no caos hilário e sem precedentes que se vê na tela.” Imagem: enfermeiras<br />
gritando e atacando vacas com as pranchetas.<br />
A explicação não faz o menor sentido, mas, contanto que ninguém mencione os Inválidos, todos<br />
ficam satisfeitos. Não deveríamos saber sobre eles. Eles sequer deveriam existir; supostamente, todas as<br />
pessoas que moravam na Selva foram mortas há mais de cinquenta anos, em uma blitz.<br />
Há cinquenta anos, o governo fechou as fronteiras dos Estados Unidos, que hoje são<br />
constantemente guardadas por militares. Ninguém pode entrar. Ninguém pode sair. Todas as<br />
comunidades sancionadas e aprovadas devem ser contidas por uma fronteira — essa é a lei —, e<br />
qualquer viagem entre comunidades necessita de consentimento oficial do governo municipal, a ser<br />
obtido com seis meses de antecedência. As medidas são para nossa própria proteção. Segurança,<br />
Inviolabilidade, Comunidade: esse é o lema de nosso país.<br />
Na maior parte do tempo, o governo é bem-sucedido. Não vemos uma guerra desde o fechamento<br />
das fronteiras, e quase não há crimes, exceto por incidentes ocasionais de vandalismo ou pequenos<br />
roubos. Não há ódio nos Estados Unidos, ao menos entre os curados. Apenas casos esporádicos de<br />
distanciamento — mas todas as intervenções médicas trazem certos riscos.<br />
No entanto, até agora, o governo fracassou em livrar o país dos Inválidos, e essa é a única falha da<br />
administração e do sistema em geral. Então, não falamos sobre isso. Fingimos que a Selva — e as<br />
pessoas que moram lá — sequer existe. É raro ouvir essa palavra ser pronunciada, exceto quando<br />
alguém suspeito de ser um simpatizante desaparece ou quando um casal doente some antes que a cura<br />
possa ser administrada.<br />
Uma notícia realmente ótima é a seguinte: todas as avaliações de ontem foram invalidadas. Todos<br />
receberemos uma nova data de avaliação, o que significa que terei uma segunda oportunidade. Dessa<br />
vez, juro que não vou pisar na bola. Estou me sentindo completamente idiota por meu ataque no<br />
laboratório. Sentada à mesa do café da manhã, com tudo tão limpo, claro e normal — as canecas azuis<br />
lascadas e cheias de café, os bipes erráticos do micro-ondas (um dos poucos dispositivos eletrônicos,<br />
além das lâmpadas, que Carol nos permite utilizar) —, o dia anterior parece um sonho longo e estranho.<br />
É um milagre, na verdade, que um bando de Inválidos fanáticos tenha decidido soltar uma manada no<br />
exato momento em que eu fracassava no teste mais importante de minha vida. Não sei o que deu em<br />
mim. Penso em Óculos exibindo os dentes e no momento em que ouvi minha boca dizer “cinza” e me