04.04.2017 Views

01- Delírio

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Meu corpo inteiro gela.<br />

— Eu? E você?<br />

A expressão de Alex não muda.<br />

— Estarei logo atrás de você — diz ele.<br />

— Daremos dez segundos... nove... oito...<br />

— Alex...<br />

Sinto arrepios gelados subirem de minha barriga.<br />

Alex sorri apenas por um segundo — a mais breve sugestão de sorriso, como se já estivéssemos<br />

salvos, como se ele estivesse se inclinando para afastar os cabelos de meus olhos ou beijar minha<br />

bochecha.<br />

— Eu prometo que estarei logo atrás. — Sua expressão se enrijece novamente. — Mas você precisa<br />

jurar que não vai olhar para trás. Nem por um segundo. Jura?<br />

— Seis... cinco...<br />

— Alex, não posso...<br />

— Jure, Lena.<br />

— Três... dois...<br />

— Tudo bem — digo, quase engasgando com as palavras. Lágrimas bloqueiam minha visão.<br />

Nenhuma chance. Não temos nenhuma chance. — Eu juro.<br />

— Um.<br />

Naquele segundo, explosões começam a acender à nossa volta, estrondos e fogo. Ao mesmo tempo,<br />

Alex grita:<br />

— Vai!<br />

Inclino-me para a frente e acelero, como o vi fazer. Sinto seus braços me envolverem no último<br />

segundo, tão fortes que poderiam me arrancar da moto se eu não estivesse segurando o guidom com<br />

tanta firmeza.<br />

Mais tiros. Alex grita e solta um braço de minha cintura. Olho para trás e o vejo apertando o braço<br />

direito contra o peito. Subimos na estrada velha e há uma fila de guardas esperando para nos receber,<br />

apontando fuzis. Estão todos gritando, mas nem consigo ouvir: só escuto a velocidade do vento e o<br />

zumbido da eletricidade passando pela cerca, exatamente como Alex disse. Só vejo as árvores na Selva,<br />

surgindo verdes à luz da manhã, todas aquelas folhas largas e lisas, como mãos tentando nos alcançar.<br />

Os guardas estão tão próximos que posso ver seus rostos, identificar suas expressões: dentes<br />

amarelados em um, uma verruga grande no nariz de outro. Mesmo assim, não paro. Passamos por eles<br />

com nossa moto e eles se espalham, caem para trás e pulam para não ser atropelados.<br />

A cerca se ergue acima de nós: quatro metros, três metros, um metro e meio. Penso: Vamos morrer.<br />

Então, a voz de Alex, clara, forte e incrivelmente calma — não sei ao certo se estou escutando-o ou<br />

se as palavras em meu ouvido são apenas minha imaginação. Pule. Agora. Comigo.<br />

Solto o guidom e rolo para o lado enquanto a moto avança para a cerca. Sinto dor em todas as<br />

partes do corpo — meus ossos estão sendo arrancados dos músculos, meus músculos estão sendo<br />

arrancados da pele — enquanto bato em pedras afiadas, cuspindo poeira, tossindo e lutando para<br />

respirar. Por um segundo o mundo inteiro fica preto.<br />

E, então, tudo é cor, explosão e fogo. A moto atinge a cerca e uma explosão tremenda ecoa pelo ar.<br />

Fogo se lança para o alto, enormes línguas lambendo o céu que continua clareando. Por um instante a<br />

cerca produz um grito agudo e volta a silenciar, inerte. Sem dúvida, o impacto provocou um curtocircuito<br />

momentâneo.<br />

É minha chance de subir, como Alex disse.<br />

De algum jeito, encontro forças para me arrastar de joelhos até a cerca, arfando, vomitando poeira.<br />

Ouço gritos atrás de mim, mas tudo soa distante, como barulho embaixo d’água. Manco até a cerca e

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!