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que consegue é:<br />
— Até amanhã.<br />
Não se eu puder evitar, penso, mas não digo nada. Então, ela me deixa, fechando a porta ao sair.<br />
E então fico na escuridão total, acompanhada apenas pelo passar das horas e pelos minutos<br />
correndo. Enquanto estou aqui, com nada para fazer além de pensar — a casa se acalma e se cala a meu<br />
redor —, o medo retorna, uma névoa terrível. Digo a mim mesma que ele precisa vir — precisa —, mas o<br />
relógio avança, aterrorizando-me, e a rua lá fora está silenciosa, exceto por um ou outro latido de<br />
cachorro.<br />
Para impedir que minha mente circule infinitamente em torno da mesma pergunta (Alex vem ou<br />
não?), tento pensar em todas as maneiras de me matar a caminho do laboratório. Se houver algum<br />
trânsito na rua Congress, eu me atiro na frente de um dos caminhões. Ou talvez possa fugir até as docas.<br />
Não deve ser muito difícil se afogar, principalmente se eu ainda estiver com as mãos amarradas. Na pior<br />
das hipóteses, posso tentar chegar ao telhado dos laboratórios, como aquela menina de anos atrás, e<br />
mergulhar do céu como uma pedra, cortando as nuvens.<br />
Penso na imagem que foi mostrada em todas as televisões naquele dia, o pequeno rastro de sangue, a<br />
estranha expressão de paz no rosto dela. Agora entendo. Parece doentio, mas elaborar esses planos faz<br />
eu me sentir melhor e afasta as terríveis ondas de ansiedade e medo dentro de mim. Prefiro morrer em<br />
meus próprios termos a viver como eles. Prefiro morrer amando Alex a viver sem ele.<br />
Por favor, Deus, faça com que ele venha me buscar.<br />
Nunca mais pedirei nada.<br />
Abrirei mão de qualquer coisa e de tudo o que tenho.<br />
Apenas faça com que ele venha, por favor.<br />
À meia-noite o medo de repente se transforma em desespero. Se ele não vier, preciso fugir sozinha.<br />
Mexo as mãos nas algemas, tentando aumentar aquela fração de espaço. A corda corta<br />
profundamente minha pele, e preciso morder o lábio para não gritar no escuro. Não importa o quanto<br />
eu puxe, mexa e gire, a corda se recusa a ceder, mas continuo tentando, até sentir o suor escorrer por<br />
meu cabelo, e começo a me preocupar com a possibilidade de atrair alguém para o quarto se continuar<br />
me debatendo. Algo molhado desce por meu antebraço, e quando estico a cabeça para trás vejo uma<br />
linha espessa e escura de sangue riscando minha pele, como uma cobra preta horrível: toda essa luta<br />
abriu um talho em minha pele.<br />
Lá fora, as ruas estão silenciosas como sempre e, naquele instante, sei que não há esperança: não<br />
conseguirei escapar sozinha. Acordarei amanhã, minha tia, Rachel e os reguladores me levarão até o<br />
centro da cidade, e minha única chance de escapar será o oceano ou o telhado dos laboratórios.<br />
Penso nos olhos cor de mel de Alex, na suavidade de seu toque e em dormir com um toldo de<br />
estrelas em cima de nossa cabeça, como se elas estivessem ali só para nós. Agora, após tantos anos,<br />
entendo o que era a Frieza e de onde ela vinha — essa sensação de que tudo está perdido, e não vale<br />
nada, e não tem significado. Finalmente, o frio e o desespero ficam misericordiosos, caindo sobre mim<br />
como um véu escuro, e, milagre dos milagres, eu durmo.<br />
* * *<br />
Acordo algum tempo depois na escuridão arroxeada com a sensação de que há alguém no quarto e de<br />
que minhas amarras se afrouxaram um pouco. Por um segundo meu coração se agita e penso Alex, mas<br />
olho e vejo Gracie empoleirada na cabeceira da cama, soltando as cordas que me prendem ao apoio. Ela<br />
está puxando, forçando, e vez ou outra se inclinando para a frente para morder o nylon, parecendo um