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01- Delírio

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vinte e sete<br />

Aquele que tenta alcançar o sol pode cair.<br />

Mas também pode voar.<br />

— Antigo ditado, origem desconhecida, listado na<br />

Compilação Abrangente de Palavras e Ideias Perigosas,<br />

www.capip.gov.org.<br />

Já vi o tempo se estender como círculos se expandindo na superfície da água; também já o vi correr tão<br />

acelerado e com tanta força que me deixou tonta. Mas até hoje nunca o vi fazer as duas coisas ao mesmo<br />

tempo. Os minutos parecem inchar a meu redor e me sufocar com sua lentidão. Observo a luz se mover<br />

um centímetro de cada vez no teto. Luto contra a dor na cabeça e nas costas. A dormência se espalha do<br />

braço esquerdo para o direito. Uma mosca voeja pelo quarto, zumbindo e batendo nas persianas, sem<br />

parar, tentando sair. Ela acaba caindo, exausta, atingindo o chão com um minúsculo ruído.<br />

Sinto muito, amiguinha. Sei como você está se sentindo.<br />

Ao mesmo tempo, fico apavorada ao ver quantas horas se passaram desde a visita de Hana. Cada<br />

hora me aproxima da intervenção, de perder Alex, mas, mesmo enquanto cada minuto parece demorar<br />

uma hora, cada hora parece voar em um minuto. Gostaria que existisse algum jeito de saber se Hana<br />

conseguiu esconder um bilhete no Governador. E, mesmo que tenha conseguido, há somente uma<br />

chance mínima de que Alex pense em procurar notícias minhas ali — um fio de esperança, a ponta de<br />

uma ponta.<br />

Mas ainda tenho esperança.<br />

Nem pensei nos outros obstáculos para minha fuga — como o fato de que estou amarrada como um<br />

pedaço de salame ou o fato de que Carol, tio William, Rachel ou Jenny estão sempre estacionados na<br />

porta do quarto. Pode ser negação, teimosia ou loucura, mas preciso acreditar que Alex virá me salvar<br />

— como em um daqueles contos de fada que ele me contou quando voltamos da Selva, em que o<br />

príncipe resgata a princesa de uma torre isolada, derrotando dragões e combatendo florestas de espinhos<br />

venenosos só para chegar até ela.<br />

No fim da tarde Rachel entra com um prato de sopa quente. Ela se senta em minha cama sem dizer<br />

nada.<br />

— Mais analgésico? — pergunto em tom sarcástico, enquanto ela me oferece uma colherada.<br />

— Está se sentindo melhor depois de dormir, não é? — retruca ela.<br />

— Estaria me sentindo melhor se não estivesse amarrada.<br />

— É para seu próprio bem — diz ela, fazendo outro gesto para minha boca com a colher.<br />

A última coisa que quero é a comida que Rachel me oferece, mas, se Alex vier me salvar (quando;<br />

quando ele vier; tenho que acreditar), precisarei ter forças. Além disso, se Carol e Rachel realmente<br />

acreditarem que desisti da ideia de resistir, talvez afrouxem as cordas ou parem de vigiar a porta do<br />

quarto, dando-me uma oportunidade para escapar.<br />

Então, tomo um longo gole de sopa, forço um sorriso tenso e digo:<br />

— Nada mal.<br />

Rachel sorri para mim.<br />

— Pode tomar o quanto quiser — diz ela. — Precisa estar bem para amanhã.

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