01- Delírio

pensarão que sou uma fera peluda.
Dobro minhas roupas, inclusive o sutiã, formo uma pilha arrumada e visto a camisola. É feita de um
plástico fino, e, enquanto a enrolo no corpo, prendendo-a na cintura com um nó, tenho certeza de que é
possível ver tudo — inclusive o contorno de minha calcinha — através do tecido.
Tudo acabará. Logo tudo acabará.
Respiro fundo e atravesso a porta azul.
O laboratório é ainda mais claro — é ofuscante, então a primeira impressão que os avaliadores
devem ter de mim é alguém cerrando os olhos, recuando e colocando a mão na frente do rosto. Quatro
sombras flutuam em uma canoa à minha frente. Em seguida, meus olhos se adaptam e minha visão
encontra os quatro avaliadores, sentados atrás de uma mesa comprida e baixa. A sala é muito grande e
está completamente vazia, exceto pelos avaliadores e, no canto, por uma mesa cirúrgica encostada na
parede. Filas duplas de lâmpadas no teto me agridem e percebo quão alto é o pé-direito: no mínimo dez
metros. Sinto um impulso desesperado de cruzar os braços no peito, para me cobrir de algum modo.
Minha boca fica seca e minha mente se torna tão quente, vazia e branca quanto as luzes. Não consigo
lembrar o que devo fazer nem o que devo dizer.
Felizmente, um dos avaliadores, uma mulher, pergunta:
— Trouxe os formulários?
A voz é amigável, mas não relaxa a pressão que aperta o fundo de meu estômago, espremendo meus
intestinos.
Ah, Deus, penso. Vou fazer xixi. Vou fazer xixi aqui mesmo. Tento imaginar o que Hana dirá quando
isso acabar, quando estivermos andando sob o sol da tarde, o cheiro de sal e do asfalto quente nos
envolvendo. “Meu Deus”, ela dirá, “foi uma perda de tempo. Todos sentados ali, encarando-me como
quatro sapos num tronco de árvore.”
— Hum… Sim.
Dou um passo em direção a eles, sentindo como se o ar tivesse se solidificado e oferecesse
resistência. Quando estou a poucos passos da mesa, estico o braço e entrego minha prancheta aos
avaliadores. São três homens e uma mulher, mas percebo que não consigo me concentrar em suas feições
por muito tempo. Examino-os rapidamente e recuo, obtendo apenas uma impressão de alguns narizes,
poucos olhos escuros e o brilho de um par de óculos.
Minha prancheta passa de um avaliador a outro. Aperto os braços nas laterais do corpo e tento
parecer relaxada.
Atrás de mim, uma galeria de observação, elevada a seis metros de altura, ocupa a extensão da parede
dos fundos. Ela pode ser acessada por uma pequena porta vermelha atrás das fileiras de cadeiras brancas,
e é, obviamente, destinada a alunos, médicos, residentes e jovens cientistas. Os cientistas do laboratório
não apenas executam a intervenção, como também fazem check-ups e tratam casos complicados de
outras doenças.
Imagino que os cientistas provavelmente executam a cura aqui, nesta sala. A mesa cirúrgica deve
servir para isso. A ansiedade começa a contrair meu estômago de novo. Por algum motivo, embora
constantemente pense em ser curada, nunca analisei a intervenção em si: a mesa dura de metal, as luzes
piscando acima de mim, os tubos, os fios e a dor.
— Lena Haloway?
— Sim. Sou eu.
— Tudo bem. Por que não começa nos contando um pouco sobre você? — O avaliador de óculos
se inclina para a frente, estica as mãos e sorri. Ele tem dentes brancos, grandes e quadrados que me
fazem lembrar azulejos de banheiro. O reflexo nos óculos torna impossível ver seus olhos, e eu gostaria
que ele os tirasse. — Converse conosco sobre o que gosta de fazer. Seus interesses, hobbies, matérias
preferidas.