01- Delírio

Mesmo o breve esforço me deixou exausta. Afundo nos travesseiros. Meu braço esquerdo está
completamente dormente por ter passado a noite inteira levantado, e o torpor passa por mim, lançando
calafrios por minhas entranhas. Não há esperança. Não há nenhuma esperança. Perdi Alex para sempre.
— Como você soube? — pergunto a Hana.
— Todo mundo está falando disso. — Ela se levanta, anda até a bolsa e remexe um pouco até puxar
uma garrafa de água. Então volta e se ajoelha perto da cama, colocando-se cara a cara comigo. — Beba
isto — diz ela. — Fará com que se sinta melhor.
Ela precisa segurar a garrafa em minha boca como se eu fosse uma criança. É um pouco
embaraçoso, mas já passei da fase de me importar.
A água alivia um pouco a queimação em minha garganta. Ela tem razão: de fato me sinto
ligeiramente melhor.
— As pessoas sabem...? Estão falando...? — Passo a língua pelos lábios e lanço um olhar para trás de
Hana. A sombra está ali; ao se mexer, identifico a ponta de um avental listrado vermelho e branco. Passo
a falar em sussurro. — Estão dizendo quem...?
Hana diz, alto demais:
— Não seja teimosa, Lena. Eles vão descobrir quem infectou você mais cedo ou mais tarde. É
melhor nos contar logo quem foi.
Esse discurso é para Carol, obviamente. Ao falar, Hana dá uma piscadela e balança a cabeça de leve.
Então Alex está seguro. Talvez haja esperança, afinal.
Mexo a boca sem falar nada: Alex. Então aponto o queixo para ela, torcendo para que entenda que
quero que vá encontrá-lo e conte o que aconteceu.
Seus olhos estremecem, e o pequeno sorriso desaparece dos lábios. Sei que ela está prestes a me dar
uma notícia ruim. Ainda pronunciando as palavras em alto e bom som, diz:
— Não é apenas teimosia, Lena. É egoísmo. Se você contar para eles, talvez entendam que eu não
tive nada a ver com isso. Não gosto de ser vigiada vinte e quatro horas por dia.
Meu coração se aperta: é claro que alguém está vigiando Hana. Devem suspeitar que ela esteja
envolvida de alguma forma ou que, ao menos, tenha informações.
Talvez seja egoísmo, mas nem consigo sentir pena dela ou lamentar o problema que causei. Só
consigo sentir uma decepção amarga. Ela não terá como falar com Alex sem levar toda a força policial
de Portland até ele. E se descobrirem que ele está se fazendo passar por curado e ajudando a
resistência... Bem, duvido que se deem o trabalho de fazer um julgamento. Vão direto para a execução.
Hana deve ter visto o desespero em meu rosto.
— Sinto muito, Lena — diz ela, sussurrando agora. — Sabe que eu ajudaria, se pudesse.
— É, bem, não pode. — Assim que as palavras saem de minha boca, eu me arrependo. Hana está
péssima, quase tão mal quanto eu estou me sentindo. Seus olhos estão inchados e o nariz, vermelho,
como se ela tivesse chorado recentemente, e é óbvio que correu mesmo até aqui assim que soube. Está
usando tênis, uma saia plissada e a blusa grande que costuma usar para dormir, como se tivesse vestido
as primeiras roupas que encontrou no chão.
— Desculpe — digo, mais suavemente. — Sabe que eu não quis dizer isso.
— Tudo bem.
Ela sai da cama e começa a andar de um lado para o outro, como sempre faz quando está pensando.
Por um segundo, uma pequena fração de segundo, quase desejo jamais ter conhecido Alex. Gostaria de
voltar ao começo do verão, quando tudo era tão claro, simples e fácil, ou voltar ainda mais, para o final
do outono, quando Hana e eu dávamos nossos pulos em volta do Governador e estudávamos para as
provas de matemática no chão do quarto dela e os dias avançavam rumo à minha intervenção como
peças de dominó caindo em fila.
O Governador. Onde Alex me viu pela primeira vez; onde deixou um bilhete para mim.