04.04.2017 Views

01- Delírio

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

vinte e seis<br />

eis o segredo mais profundo que ninguém conhece<br />

(é a raiz da raiz e o botão do botão e o céu do céu<br />

de uma árvore chamada vida; que cresce<br />

mais alto que a alma pode esperar ou a mente esconder)<br />

e essa é a maravilha que mantém as estrelas separadas<br />

eu carrego seu coração (eu o carrego em meu coração)<br />

— “eu carrego seu coração comigo (eu o carrego”,<br />

m poema de e.e. cummings<br />

banido e listado na Compilação Abrangente<br />

de Palavras e Ideias Perigosas,<br />

www.capip.gov.org.<br />

Quando acordo novamente, é porque alguém está repetindo meu nome. Enquanto me esforço para<br />

voltar à consciência, vejo mechas de cabelo louro, como uma auréola, e por um instante de confusão<br />

penso que talvez eu tenha morrido. Talvez os cientistas estivessem errados e o paraíso não seja apenas<br />

para os curados.<br />

Então as feições de Hana entram em foco, e percebo que ela está inclinada acima de mim.<br />

— Está acordada? — indaga ela. — Consegue me ouvir?<br />

Eu gemo, e ela se afasta um pouco e expira.<br />

— Graças a Deus — diz ela. Hana fala em um sussurro e parece assustada. — Você estava tão<br />

imóvel que por um instante pensei que você... que eles... — Ela para. — Como está se sentindo?<br />

— Péssima — resmungo em voz alta e rouca, e Hana franze o rosto e olha por cima do ombro.<br />

Percebo uma sombra se movendo fora do quarto. Claro. A visita está sendo monitorada. Ou isso, ou<br />

alguém foi colocado em guarda permanente diante da porta. Provavelmente, ambos.<br />

Minha dor de cabeça está um pouco melhor, pelo menos, apesar de agora haver uma dor aguda em<br />

meus ombros. Ainda estou muito grogue e tento me endireitar antes de me lembrar de Carol, Rachel e<br />

da corda de nylon e de perceber que meus braços estão esticados para o alto, presos à cabeceira da cama,<br />

como uma verdadeira prisioneira. A raiva volta em ondas, seguida de pânico ao lembrar o que Carol<br />

disse: minha intervenção foi antecipada para a manhã de domingo.<br />

Viro a cabeça para um lado. A luz do sol entra através das persianas estreitas de plástico, que foram<br />

abaixadas nas janelas, iluminando partículas de poeira no quarto.<br />

— Que horas são? — Tento me sentar e solto um grito de dor quando a corda se enterra ainda mais<br />

em meus pulsos. — Que dia é hoje?<br />

— Shhh... — Hana me empurra de volta na cama, segurando-me enquanto me debato. — Hoje é<br />

sábado. Três horas.<br />

— Você não entende. — Cada palavra agride minha garganta. — Eles vão me levar para o<br />

laboratório amanhã. Anteciparam minha intervenção...<br />

— Eu sei. Eles me disseram. — Hana está me encarando atentamente, como se tentasse me<br />

comunicar algo importante. — Eu vim assim que pude.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!