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01- Delírio

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— Você é uma mentirosa — disparo. E então: — Você sabia sobre nossa mãe.<br />

Dessa vez o véu cai. Ela inclina o corpo para trás.<br />

— Do que você está falando?<br />

— Você sabia que ela não... que ela não tinha se matado. Sabia que eles a levaram.<br />

Rachel estreita os olhos.<br />

— Eu realmente não faço ideia do que você está falando, Lena.<br />

E posso perceber, nesse instante, que, pelo menos quanto a isso, estou errada. Rachel não sabe.<br />

Nunca soube. Sinto-me inundada ao mesmo tempo de alívio e pesar.<br />

— Rachel — digo, mais delicadamente. — Ela estava nas Criptas. Esteve presa nas Criptas o tempo<br />

todo.<br />

Rachel me encara por um longo segundo, boquiaberta. Em seguida, levanta-se abruptamente,<br />

alisando a frente das calças como se estivesse limpando farelos invisíveis.<br />

— Ouça, Lena... Você bateu a cabeça com muita força. — De novo, ela fala como se, de algum jeito,<br />

eu tivesse sido a responsável. — Está cansada. Está confusa.<br />

Não a corrijo. Não adianta. É tarde demais para Rachel. Ela sempre existirá atrás de uma parede. Ela<br />

sempre estará dormindo.<br />

— Você deve tentar dormir um pouco — diz ela. — Vou trazer mais água.<br />

Ela pega o copo e vai para a porta, apagando a luz ao sair. Então, para por um instante, de costas<br />

para mim. A luz do corredor parece difusa em volta dela e esconde suas feições, transformando-a em<br />

uma sombra, uma silhueta.<br />

— Sabe, Lena — diz ela, afinal, virando-se para mim —, as coisas vão melhorar. Sei que você está<br />

irritada. Sei que pensa que não entendemos. Mas eu entendo. — Ela fica em silêncio, olhando para o copo<br />

vazio. — Eu era como você. Eu lembro: esses sentimentos, essa raiva e paixão, a sensação de que não se<br />

pode viver sem isso e de que é preferível morrer. — Ela suspira. — Mas acredite em mim, Lena. É tudo<br />

parte da doença. É uma doença. Em alguns dias você vai ver. Isso tudo parecerá um sonho para você.<br />

Foi como um sonho para mim.<br />

— E você está mais feliz agora? Está feliz por ter feito a intervenção? — pergunto.<br />

Talvez ela interprete minha pergunta como um sinal de que estou ouvindo e prestando atenção no<br />

que ela diz. De qualquer forma, Rachel sorri.<br />

— Muito mais — responde ela.<br />

— Então você não é como eu — sussurro, em tom feroz. — Não é nem um pouco como eu.<br />

Rachel abre a boca para dizer algo, mas naquele instante Carol surge na porta. Seu rosto está<br />

vermelho e o cabelo está bagunçado em ângulos estranhos, mas, quando fala, ela soa calma.<br />

— Está tudo bem — diz ela para Rachel, em voz baixa. — Tudo foi resolvido.<br />

— Graças a Deus — diz Rachel. E, então, com um tom sombrio: — Mas ela não irá<br />

espontaneamente.<br />

— E alguma vez eles vão? — Carol pergunta secamente. Em seguida, desaparece outra vez.<br />

O tom de voz de Carol me assustou. Tento me levantar, apoiada nos cotovelos, mas meus braços<br />

parecem ter se transformado em gelatina.<br />

— O que foi resolvido? — pergunto, surpresa ao perceber que minha voz soa arrastada.<br />

Rachel me olha por um segundo.<br />

— Eu falei... Queremos que você fique segura — diz ela, secamente.<br />

— O que vocês resolveram? — O pânico está me preenchendo, agravado pelo peso que parece me<br />

dominar. Preciso lutar para manter os olhos abertos.<br />

— Sua intervenção. — É a voz de Carol. Ela voltou ao quarto. — Conseguimos antecipá-la. Será<br />

domingo de manhã. Depois disso, esperamos, você vai ficar bem.<br />

— Impossível. — Estou engasgando. Faltam menos de quarenta e oito horas para a manhã de

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