04.04.2017 Views

01- Delírio

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

ao chão por quatro reguladores antes que conseguissem arrastá-la para os laboratórios.<br />

Rachel caminha até a cama, olhando-me com a mesma expressão indecifrável.<br />

— Como está se sentindo? — pergunta ela.<br />

— Ótima — respondo sarcasticamente, mas ela só pisca para mim.<br />

— Tome.<br />

Ela coloca dois comprimidos brancos na mesa.<br />

— O que são? Tranquilizantes?<br />

Suas pálpebras tremem.<br />

— Analgésico.<br />

Um pouco de irritação invadiu sua voz, e fico satisfeita. Não gosto que ela esteja ali, serena e<br />

desapegada, avaliando-me como se eu fosse um bicho empalhado.<br />

— Então... Carol ligou para você?<br />

Estou pensando se devo confiar nela em relação ao analgésico, mas decido arriscar. Minha cabeça<br />

está me matando, e a esta altura não sei se um tranquilizante seria muito pior. Não tenho muito como<br />

tentar fugir nestas condições, mesmo. Engulo os dois comprimidos com um grande gole de água.<br />

— Ligou. Eu vim na mesma hora. — Ela se senta na cama. — Eu estava dormindo, sabia?<br />

— Desculpe o inconveniente, mas eu não pedi para ser abatida e arrastada até aqui.<br />

Nunca falei assim com Rachel, e vejo que ela se surpreende. Ela esfrega a testa cansada e por um<br />

segundo vejo uma imagem da Rachel que eu conhecia — minha irmã mais velha, que me torturava com<br />

cócegas, fazia tranças em meu cabelo e reclamava porque eu sempre ganhava as maiores bolas de sorvete.<br />

E então o vazio volta, como um véu. É incrível como sempre aceitei que a maioria dos curados<br />

parece passar pelo mundo como se estivesse envolvida em uma espessa capa de sono. Talvez porque eu<br />

também estivesse dormindo. Só quando Alex me acordou eu pude ver o mundo com clareza.<br />

Por algum tempo, Rachel não diz nada. Eu também não tenho o que dizer, então simplesmente<br />

ficamos ali, sentadas. Fecho os olhos, esperando a dor começar a sumir, tentando identificar palavras no<br />

emaranhado de vozes lá embaixo, o som de passos e de exclamações abafadas e a televisão ligada na<br />

cozinha, mas não consigo identificar nenhuma conversa específica.<br />

Finalmente, Rachel pergunta:<br />

— O que aconteceu hoje, Lena?<br />

Quando abro os olhos, vejo que ela está me encarando outra vez.<br />

— Acha que vou contar para você?<br />

Ela balança minimamente a cabeça.<br />

— Sou sua irmã.<br />

— Como se isso significasse algo para você.<br />

Ela se encolhe um pouco, apenas uma fração de centímetro. Quando fala de novo, sua voz está dura.<br />

— Quem era ele? Quem infectou você?<br />

— Esta é a pergunta da noite, não é? — Rolo para longe dela, sentindo frio. — Se você veio para<br />

me interrogar, está perdendo seu tempo. É melhor voltar para casa.<br />

— Vim porque estou preocupada — diz ela.<br />

— Com o quê? Com a família? Com nossa reputação? — Continuo olhando para a parede, teimosa,<br />

puxando o cobertor fino até o pescoço. — Ou talvez esteja preocupada com a possibilidade de que<br />

todos pensem que você sabia? Talvez ache que será rotulada como uma simpatizante?<br />

— Não seja difícil. — Ela suspira. — Estou preocupada com você. Eu me importo, Lena. Quero que<br />

fique segura, quero que seja feliz.<br />

Viro a cabeça para olhar para ela, sentindo uma onda de raiva — e, mais profundo que isso, ódio.<br />

Odeio-a; odeio-a por ter mentido para mim. Odeio-a por fingir que se importa e por sequer usar esta<br />

palavra em minha presença.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!