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01- Delírio

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inclina sobre mim. Sinto uma respiração morna fazer cócegas na lateral de meu pescoço.<br />

E mais passos sobem as escadas, e ouço a voz de Jenny, um sussurro, na porta:<br />

— O que você está fazendo aqui? Tia Carol mandou você ficar longe. Desça antes que eu conte a ela.<br />

O peso sai da cama, e passos leves se afastam em direção ao corredor. Abro os olhos, muito pouco,<br />

apenas o suficiente para ver Gracie se desviar de Jenny, que está na porta. Provavelmente, veio ver como<br />

estou. Fecho os olhos de novo quando Jenny dá alguns passos hesitantes até a cama.<br />

E então ela gira de repente, como se estivesse ansiosa para sair do quarto. Ouço-a gritar:<br />

— Continua dormindo!<br />

A porta se fecha novamente, mas não antes que eu possa ouvir, da cozinha, com total clareza:<br />

— Quem foi? Quem a infectou?<br />

Dessa vez obrigo-me a sentar, apesar da dor que me apunhala na cabeça e no pescoço e da terrível<br />

sensação de desequilíbrio que acompanha cada um de meus movimentos. Tento me levantar, mas<br />

descubro que minhas pernas não me sustentam. Em vez disso, vou ao chão e engatinho até a porta.<br />

Mesmo apoiada nas mãos e nos joelhos, o esforço é exaustivo, e deito no chão, tremendo, enquanto o<br />

quarto continua balançando para a frente e para trás, como uma diabólica gangorra.<br />

Felizmente, com a cabeça no chão é mais fácil escutar a conversa no andar de baixo, e ouço minha<br />

tia dizendo:<br />

— Vocês devem pelo menos ter visto quem era.<br />

Nunca a ouvi tão histérica.<br />

— Não se preocupe — diz o regulador. — Vamos encontrá-lo.<br />

Isso, pelo menos, é um alívio. Alex deve ter escapado. Se os reguladores tivessem alguma noção de<br />

quem estava comigo na rua — se sequer suspeitassem —, já estaria preso. Rezo em silêncio,<br />

agradecendo por Alex ter conseguido o milagre de se salvar.<br />

— Não fazíamos ideia — diz Carol, ainda com a voz trêmula, desesperada, tão diferente de seu tom<br />

comedido de sempre. E agora entendo: ela não está simplesmente histérica. Está apavorada. — Você<br />

precisa acreditar que não fazíamos ideia de que ela havia sido infectada. Não houve sinais. O apetite era<br />

o mesmo. Ela saía para trabalhar na hora certa. Não teve mudanças de humor...<br />

— Provavelmente, estava fazendo o possível para esconder os sinais — interrompe o regulador. —<br />

Os infectados muitas vezes agem assim.<br />

Quase ouço o desgosto em sua voz quando pronuncia a palavra infectados, como se na verdade<br />

estivesse dizendo barata ou terrorista.<br />

— O que fazemos agora?<br />

A voz de Carol está mais fraca agora. Ela e o regulador devem estar indo para a sala.<br />

— Estamos enviando chamadas o mais rápido possível — responde ele. — Com alguma sorte, antes<br />

do fim da semana...<br />

As vozes se tornam indecifráveis, um murmúrio baixo. Apoio a testa na porta por um minuto,<br />

concentrando-me em inspirar e expirar, em respirar apesar da dor. Então, eu me levanto com cuidado. A<br />

tontura ainda é intensa, e preciso me apoiar na parede assim que levanto, tentando analisar minhas<br />

opções. Preciso descobrir o que aconteceu exatamente. Preciso saber há quanto tempo os reguladores<br />

vigiavam a casa da rua Brooks e preciso ter certeza absoluta de que Alex está seguro.<br />

Preciso falar com Hana. Ela vai me ajudar. Ela vai saber o que fazer. Puxo a maçaneta da porta antes<br />

de perceber que ela foi trancada pelo lado de fora.<br />

Claro. Sou uma prisioneira agora.<br />

Enquanto estou ali, com a mão na maçaneta, ela começa a mexer e rodar. Viro o mais rápido<br />

possível e mergulho de volta na cama — até isso machuca — no mesmo instante em que a porta se abre<br />

e Jenny entra.<br />

Não fecho os olhos rápido o bastante. Ela grita para o corredor:

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