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Parece que, enquanto estamos ali, vejo toda a minha vida com Hana, toda a nossa amizade, sucumbindo:<br />
festas do pijama com vasilhas proibidas de pipoca à meia-noite; todas as vezes em que ensaiamos para o<br />
Dia da Avaliação, quando Hana roubava um par de óculos antigo do pai e batia na escrivaninha com<br />
uma régua sempre que eu errava uma resposta, e sempre começávamos a engasgar de tanto rir na metade<br />
da entrevista; a vez em que ela deu um soco no rosto de Jillian Dawson quando ela disse que meu<br />
sangue era doente; tomar sorvete no píer e sonhar com nossos pares e nossas casas idênticas, uma ao<br />
lado da outra. Tudo ia sendo sugado para o nada, como areia sendo levada por uma onda.<br />
— Sabe que isso não tem a ver com você — digo. Preciso forçar as palavras pelo nó em minha<br />
garganta. — Você e Gracie são as únicas pessoas que importam para mim. E nada... — Interrompo-me.<br />
— Tudo mais não é nada.<br />
— Eu sei — diz ela, mas continua não olhando para mim.<br />
— Eles... Eles levaram minha mãe, Hana.<br />
Não pretendia contar a ela, a princípio. Não queria falar sobre isso. Mas as palavras escapam.<br />
Ela me olha intensamente.<br />
— Do que você está falando?<br />
Conto a ela a história das Criptas. Por incrível que pareça, consigo me controlar. Conto tudo em<br />
detalhes. A Ala Seis e a fuga, a cela, as palavras. Hana me ouve em um silêncio imóvel. Nunca a vi tão<br />
quieta e séria.<br />
Quando termino, Hana está pálida. Está exatamente como quando éramos pequenas e ficávamos<br />
acordadas à noite, tentando assustar uma à outra com histórias de fantasmas. De certa maneira, acho que<br />
a história de minha mãe é uma história de fantasma.<br />
— Sinto muito, Lena — diz ela, com um tom que não chega a um sussurro. — Não sei o que dizer.<br />
Sinto muito mesmo.<br />
Aceno com a cabeça, olhando para o oceano. Pergunto-me se o que aprendemos sobre as outras<br />
partes do mundo — as partes não curadas — está certo, se realmente são tão selvagens, devastadas,<br />
brutais e cheias de dor como sempre nos disseram. Tenho quase certeza de que isso também é uma<br />
mentira. É mais fácil, em muitos sentidos, imaginar um lugar como Portland — um lugar com as<br />
próprias paredes, barreiras e meias-verdades, um lugar onde o amor ainda tenta existir, mas de forma<br />
imperfeita.<br />
— Você entende por que preciso ir embora — digo. Não é exatamente uma pergunta, mas ela<br />
assente.<br />
— Entendo. — Hana balança levemente os ombros, como se tentasse despertar de um sonho. Em<br />
seguida, vira-se para mim. Apesar de estar com os olhos tristes, ela consegue sorrir. — Você, Lena<br />
Haloway — diz ela —, é uma lenda.<br />
— Até parece. — Reviro os olhos, mas me sinto melhor. Ela me chamou pelo sobrenome de minha<br />
mãe, então sei que entende. — Um conto de alerta, talvez.<br />
— Estou falando sério. — Ela afasta o cabelo do rosto e me olha atentamente. — Eu me enganei,<br />
sabe? Lembra o que eu disse no começo do verão? Pensei que você tivesse medo. Achei que fosse<br />
medrosa demais para se arriscar. — O mesmo sorriso triste passa por seus lábios mais uma vez. — No<br />
fim das contas, você é mais corajosa que eu.<br />
— Hana...<br />
— Está tudo bem. — Ela acena com a mão, me interrompendo. — Você merece. Você merece mais.<br />
Não sei exatamente o que responder. Quero abraçá-la, mas, em vez disso, abraço minha própria<br />
cintura. O vento que vem do mar está gelado.<br />
— Vou sentir sua falta, Hana — digo, após um minuto.<br />
Ela dá alguns passos em direção à água e chuta a areia com a ponta do tênis. Os grãos parecem<br />
pairar no ar por uma fração de segundo em um arco antes de se espalhar.