01- Delírio

da cabeça aos pés e me deixa tonta. As ruas estão pintadas pelo sol dourado e por sombras, e o ar
carrega cheiro de sal, frituras e um ligeiro odor de algas na praia. Quero guardar este momento comigo
para sempre, mantê-lo seguro como se fosse meu coração: minha antiga vida, meu segredo.
— Peguei — digo, dando um tapinha no ombro de Hana. — Está com você.
E então saio correndo enquanto ela grita e pula para tentar me alcançar, e contornamos a pista em
direção ao píer sem hesitar ou discutir sobre a rota. Minhas pernas estão fortes, firmes; a mordida que
levei na noite da batida cicatrizou completamente, deixando apenas uma marca vermelha fina parecida
com um sorriso na panturrilha. O ar fresco entra e sai de meus pulmões, doendo, mas é uma dor boa:
que me faz lembrar como é bom respirar, sentir dor, sentir algo. O sal faz meus olhos arderem, e eu
pisco várias vezes sem saber se estou suando ou chorando.
Não é a corrida mais rápida que já fizemos, mas acho que pode estar entre as melhores. Mantemos
exatamente o mesmo ritmo, correndo quase ombro a ombro, dando uma volta do velho porto até
Eastern Promenade.
Estamos mais lentas do que no começo do verão, com certeza. Após mais ou menos quatro
quilômetros, começamos a desacelerar, e por um acordo silencioso cruzamos o gramado e vamos para a
praia até a areia, rindo.
— Dois minutos — diz Hana, engasgando. — Eu só preciso de dois minutos.
— Patético — digo, apesar de estar tão agradecida pela pausa quanto ela.
— Você também — diz ela, jogando um punhado de areia em mim.
Caímos de costas na areia, com braços e pernas abertos, como se fôssemos fazer desenho de anjos. A
areia está surpreendentemente fresca e um pouco úmida em minha pele. Deve ter chovido mais cedo,
afinal, talvez quando Alex e eu estávamos nas Criptas. Pensar de novo naquela cela minúscula e nas
palavras gravadas nas paredes, com o sol entrando pelo O como se passasse por um telescópio, produz
aquele aperto em meu peito outra vez. Mesmo agora, neste segundo, minha mãe está em algum lugar lá
fora — se mexendo, respirando, existindo.
Bem, logo estarei lá fora também.
Há apenas algumas pessoas na praia, a maioria famílias passeando, e um senhor andando lentamente
perto da água, apoiando a bengala na areia. O sol está afundando muito além das nuvens e a baía tem
um tom cinza-escuro, levemente tingida de verde.
— Mal posso acreditar que em apenas algumas semanas não teremos mais que nos preocupar com o
toque de recolher — diz Hana, antes de virar a cabeça para olhar para mim. — Menos de três semanas,
para você. Dezesseis dias, certo?
— É. — Não gosto de mentir para Hana, então me sento e abraço meus joelhos.
— Acho que vou passar minha primeira noite inteira fora de casa após a cura. Só porque posso. —
Hana se apoia nos cotovelos. — Podemos fazer isso juntas, você e eu. — Há um tom de súplica em sua
voz. Sei que deveria dizer apenas é, pode ser ou parece ótimo. Sei que fingir que a vida continuará
normalmente faria com que ela se sentisse melhor, faria com que eu me sentisse melhor.
Mas não consigo forçar as palavras. Em vez disso, começo a tirar grãos de areia de minhas coxas
com o polegar.
— Ouça, Hana. Preciso falar uma coisa. Sobre a intervenção...
— O que tem?
Hana estreita os olhos e me encara. Ela sentiu um tom de seriedade em minha voz que a deixou
preocupada.
— Prometa que não vai ficar chateada, tudo bem? Não vou conseguir... — Contenho-me antes de
dizer que não vou conseguir ir embora se você estiver chateada comigo. Estou indo rápido demais.
Hana se senta, levantando a mão e forçando uma risada.
— Deixe-me adivinhar... Vai abandonar o navio com Alex, fugir, chutar o balde e dar uma de