01- Delírio

é gentil, e sua mão morna é reconfortante. Gostaria que ele pudesse mantê-la ali, mas após somente um
segundo ele me solta. Posso ler uma súplica, em alto e bom som, em seus olhos: Seja forte. Estamos quase
lá. Seja forte só mais um pouquinho.
As trancas na porta se soltam com um clique. Frank apoia o ombro nela e faz força, abrindo-a
apenas o suficiente para que passemos para o corredor do outro lado. Alex vai na frente, depois eu,
depois Frank. A passagem é tão estreita que precisamos andar enfileirados, e é ainda mais escura do que
o restante das Criptas.
Mas é o cheiro o que realmente me atinge: um fedor horrível, pútrido, supurado, como os Lixões
perto do porto — o lugar onde são descartadas as entranhas dos peixes — em um dia extremamente
quente. Até Alex pragueja e tosse, cobrindo o nariz com a mão.
Atrás de mim, imagino Frank sorrindo.
— A Ala Seis tem seu próprio perfume especial — diz ele.
Enquanto andamos, ouço o cano da arma bater em sua coxa. Fico preocupada com a possibilidade
de eu desmaiar e quero me apoiar nas paredes, mas elas estão cobertas de fungo e umidade. Em ambos
os lados, as portas metálicas trancadas das celas aparecem a intervalos, cada qual com apenas uma janela
imunda do tamanho de um prato. Através das paredes ouvimos gemidos baixos em uma vibração
constante. É pior, de certa forma, que os berros e gritos de antes: este é o som de pessoas que há muito
abdicaram da esperança de que alguém as ouça, um som reflexivo que tem como único objetivo
preencher o tempo, o espaço e a escuridão.
Acho que vou passar mal. Se Alex estiver certo, minha mãe está aqui, atrás de uma dessas portas
terríveis — tão perto que, se eu pudesse rearranjar as partículas e derreter as pedras, poderia estender o
braço e tocá-la. Estou mais perto dela do que jamais pensei estar novamente.
Sou invadida por pensamentos e desejos conflitantes: minha mãe não pode estar aqui; preferia que ela
estivesse morta; quero vê-la viva. E também por aquela outra palavra, abrindo caminho sob todos os meus
pensamentos: fuga, fuga, fuga. Uma possibilidade fantástica demais para sequer ser contemplada. Se minha
mãe fosse a pessoa que escapou, eu saberia. Ela teria vindo atrás de mim.
A Ala Seis consiste em apenas um corredor comprido. Pelo que consigo ver, há cerca de quarenta
portas, quarenta celas diferentes.
— Aqui estamos — diz Frank. — O grand tour. — Ele bate a uma das primeiras portas. — Aqui está
seu amigo Thomas, se quiser cumprimentá-lo. — Então ri outra vez, aquele cacarejo horroroso.
Penso no que ele disse quando chegamos ao vestíbulo: agora, está sempre aqui.
À nossa frente, Alex não responde, mas acho que o vejo dar de ombros.
Frank cutuca minhas costas com força, usando o cano da arma.
— Então, o que achou?
— Horrível — respondo, rouca. Minha garganta parece ter sido envolvida por arame farpado. Frank
parece satisfeito.
— Melhor ouvir e fazer o que mandam — diz ele. — Não adianta nada acabar como esse cara.
Paramos na frente de uma das celas. Frank acena com a cabeça para a pequena janela, e dou um
passo hesitante à frente, encostando o rosto no vidro. Está tão sujo que é quase opaco, mas se eu forçar
os olhos consigo identificar algumas formas na escuridão da cela: uma cama com um colchão velho e
sujo, um vaso sanitário, um balde que parece ser o equivalente humano a uma vasilha de água para
cachorros. A princípio, penso que há um amontoado de farrapos no canto, até perceber que aquilo é o
“cara” a quem Frank se referiu: um montinho imundo e encolhido de pele, osso e cabelos emaranhados.
Está imóvel, e sua pele é tão suja que se mistura ao cinza das paredes de pedra. Se não fosse pelos olhos,
rolando continuamente para um lado e para o outro, como se buscasse insetos no ar, nem daria para
saber que ele estava vivo. Nem daria para saber se ele era humano.
O pensamento me ocorre de novo: preferia que ela estivesse morta. Não neste lugar. Em qualquer lugar,