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01- Delírio

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— A fuga? — As palavras escapam de minha boca antes que eu consiga evitá-las. Meu coração<br />

começa a bater violentamente no peito. Ninguém nunca escapou das Criptas, nunca.<br />

Por um instante a mão de Frank pousa na arma e os dedos executam novamente uma dança no<br />

gatilho.<br />

— Claro — continua ele, mantendo os olhos em Alex, como se eu nem estivesse ali. — Você deve<br />

ter ouvido algo sobre ela.<br />

Alex dá de ombros.<br />

— Um pouco disso, um pouco daquilo. Nada confirmado.<br />

Frank ri. É um som terrível. Lembro-me de quando vi duas gaivotas brigando no ar por um resto de<br />

comida, berrando enquanto mergulhavam no ar.<br />

— Ah, está confirmado, sim — diz ele. — Foi em fevereiro. Recebemos o alarme de Thomas, aliás.<br />

Claro, se ele participou do plano, ela deve ter conseguido uma vantagem de seis ou sete horas.<br />

Quando diz a palavra ela, as paredes parecem desabar a meu redor. Dou um passo rápido para trás,<br />

esbarrando em uma parede. Poderia ser ela, penso, e por um segundo terrível e cheio de culpa fico<br />

decepcionada. Então, lembro-me de que ela pode nem estar aqui — e, em todo caso, poderia ter sido<br />

qualquer pessoa que escapou, qualquer mulher simpatizante ou rebelde. Mesmo assim, a tonteira não<br />

passa. Fico ansiosa, cheia de medo e de um desejo desesperado, tudo ao mesmo tempo.<br />

— Qual é o problema dela? — pergunta Frank. Sua voz soa distante.<br />

— Ar — consigo dizer. — É o ar aqui dentro.<br />

Frank ri novamente, soltando aquele cacarejo desagradável.<br />

— Acha que é ruim aqui? — comenta o guarda. — É um paraíso em comparação às celas.<br />

Ele parece ter prazer com isto, e penso em um debate que tive com Alex há algumas semanas,<br />

quando ele argumentava contra a utilidade da cura. Eu disse que, sem amor, também não haveria ódio;<br />

sem ódio, não haveria violência. Ódio não é o mais perigoso, dissera ele. É a indiferença.<br />

Alex volta a falar. Sua voz é baixa e ainda soa casual, mas possui um traço de força: o tipo de voz<br />

que um vendedor de rua assume quando quer nos convencer a comprar uma caixa de frutas amassadas<br />

ou um brinquedo quebrado. Tudo bem, vamos fazer um acordo, sem problema, pode confiar.<br />

— Olhe, deixe-nos entrar por um minuto. É só isso: um minuto. Você está vendo que ela já está<br />

aterrorizada. Precisei vir até aqui para isto, durante minha folga; eu queria ir ao píer, talvez pescar um<br />

pouco. A questão é que se eu a levar para casa e ela não estiver alinhada... Bem, você sabe,<br />

provavelmente eu vou ter que trazê-la aqui outra vez. E só tenho alguns dias de folga, e já estamos quase<br />

no fim do verão...<br />

— Por que tudo isso? — diz Frank, apontando para mim com a cabeça. — Se ela está causando<br />

problemas, há uma maneira fácil de consertá-la.<br />

Alex dá um sorriso tenso.<br />

— O pai dela é Steven Jones, comissário dos laboratórios. Ele não quer antecipar a intervenção, não<br />

quer problemas, violência ou complicação. Não passa uma boa impressão, entende?<br />

É uma mentira ousada. Frank poderia muito bem solicitar minha identidade, então Alex e eu<br />

estaríamos ferrados. Não sei ao certo qual seria o castigo por entrar nas Criptas mediante falsas<br />

alegações, mas não pode ser bom.<br />

Frank parece interessado em mim pela primeira vez. Olha-me da cabeça aos pés, como se estivesse<br />

analisando uma fruta no supermercado para ver se está madura, e por um instante não diz nada.<br />

Então, finalmente, ele se levanta, acomodando a arma no ombro.<br />

— Vamos — diz ele. — Cinco minutos.<br />

Enquanto ele mexe no teclado, digitando um código e colocando a mão em uma espécie de tela para<br />

reconhecimento de impressões digitais, Alex pega meu cotovelo.<br />

— Vamos — diz ele, em uma voz grosseira, como se meu faniquito o tivesse irritado. Mas seu toque

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