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01- Delírio

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arma antes, e ao olhar para o túnel longo e escuro do cano tenho a impressão de que vou desmaiar.<br />

— Ah, ele está aqui, está aqui sim. Agora, está sempre aqui.<br />

O guarda sorri sem qualquer humor, e seus dedos dançam no gatilho. Quando fala, seus lábios se<br />

curvam para cima, revelando uma boca cheia de dentes tortos e amarelados.<br />

— O que você sabe sobre Thomas?<br />

O recinto assume o silêncio e a carga do ar lá fora e me faz pensar na espera pelo estrondo de um<br />

trovão. Alex se permite um pequeno sinal de nervosismo: ele abre e fecha as mãos, apoiadas nas coxas.<br />

Quase consigo vê-lo raciocinar, tentar descobrir o que responder. Ele deve saber que mencionar Thomas<br />

foi uma ideia ruim — até eu ouvi o desprezo e a desconfiança na voz do guarda ao pronunciar o nome.<br />

Após o que parece um longo tempo — mas que provavelmente foram apenas alguns segundos —, a<br />

expressão vazia e oficial volta a seu rosto.<br />

— Ouvimos falar que tinha acontecido alguma espécie de problema, só isso.<br />

A declaração é vaga o bastante, e é uma suposição razoável. Alex gira o distintivo nos dedos com<br />

tranquilidade. O guarda vê o objeto, e percebo que relaxa. Ainda bem que não tenta olhar melhor. Alex<br />

só tem Nível Um de acesso aos laboratórios, o que significa que mal pode entrar no almoxarifado,<br />

quanto mais desfilar por áreas restritas, ali ou em qualquer outro lugar de Portland, como se fosse dono<br />

delas.<br />

— Vocês demoraram muito — diz o guarda, secamente. — Thomas já saiu há meses. Melhor para o<br />

DIC, suponho. Não é o tipo de coisa que gostaríamos de expor. — DIC é o Departamento de<br />

Informações Controladas (ou, se você tiver o cinismo de Hana, o Departamento de Idiotas Corruptos<br />

ou o Departamento de Implementação de Censura), o que me faz sentir calafrios nos braços. Algo<br />

muito errado aconteceu na Ala Seis para que o DIC fosse envolvido.<br />

— Sabe como é... — diz Alex. Ele se recuperou do deslize temporário; a confiança e a calma voltam<br />

à sua voz. — É impossível conseguir uma resposta prática de qualquer pessoa por lá. — Outra<br />

declaração vaga, mas o guarda simplesmente concorda com a cabeça.<br />

— Nem me fale. — Em seguida, aponta para mim com a cabeça. — Quem é ela?<br />

Posso senti-lo olhando para a pele não marcada de meu pescoço, notando que não tenho a cicatriz<br />

da intervenção. Como muitas pessoas, ele se retrai inconscientemente — apenas alguns centímetros, mas<br />

o suficiente para que a antiga sensação de humilhação, a sensação de que, de algum jeito, sou errada, me<br />

invada. Volto o olhar para o chão.<br />

— Ela não é ninguém — diz Alex, e mesmo sabendo que ele precisa dizer isso, meu peito dói. —<br />

Preciso mostrar as Criptas para ela, só isso. Um processo de reeducação, se é que você me entende.<br />

Prendo a respiração, certa de que a qualquer instante o guarda vai nos expulsar, quase desejando que<br />

o faça. Ainda assim... Logo atrás do banco do guarda há uma única porta de metal, grossa e pesada,<br />

protegida por um teclado eletrônico. Parece o cofre do Banco Central Savings no centro da cidade.<br />

Vindo dela, posso ouvir barulhos distantes — acho que são ruídos humanos, apesar de ser difícil<br />

afirmar.<br />

Minha mãe pode estar atrás daquela porta. Pode estar lá dentro. Alex tinha razão. Preciso saber.<br />

Pela primeira vez começo a entender, de verdade, o que Alex me disse ontem à noite: durante todo<br />

esse tempo minha mãe podia estar viva. Enquanto eu respirava, ela também respirava. Enquanto eu<br />

dormia, ela dormia em outro lugar. Enquanto eu estava acordada, pensando nela, ela poderia estar<br />

pensando em mim. É demais: milagroso e, ao mesmo tempo, absurdamente doloroso.<br />

Alex e o guarda se encaram por um minuto. Alex continua girando o distintivo em um dedo,<br />

enrolando e desenrolando a corrente. Os movimentos parecem acalmar o guarda.<br />

— Não posso deixá-los entrar — diz ele, mas, desta vez, soa simpático. Ele abaixa a arma e volta a<br />

se sentar no banco. Exalo rapidamente; sem querer, estava prendendo a respiração.<br />

— Só está fazendo seu trabalho — diz Alex, mantendo a voz neutra. — Então você é o substituto

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