01- Delírio

some em um dos lados das Criptas e recomeça no outro, fazendo o prédio parecer uma ponte que é
parte da cerca.
— Oi.
Alex vem pela calçada, com os cabelos se agitando. O vento está definitivamente frio hoje. Eu devia
ter usado um casaco mais pesado. Alex também parece sentir frio. Ele mantém os braços cruzados na
frente do corpo. É claro que usa apenas uma camisa fina de linho — o uniforme oficial dos guardas do
complexo de laboratórios. E está com o distintivo pendurado no pescoço também. Não o vejo com
aquilo desde o primeiro dia em que nos falamos. Está usando até mesmo calças jeans mais bonitas,
escuras e com bainhas que não estão totalmente rasgadas ou pisadas. Tudo faz parte do plano: para
entrarmos, ele precisa convencer os administradores da prisão de que se trata de um assunto oficial.
Encontro conforto no fato de que ele ainda usa os tênis surrados com os cadarços pintados. De algum
jeito, esse pequeno detalhe familiar possibilita que eu esteja aqui com ele, fazendo isto. Tenho algo em
que me concentrar e me apoiar, um pequeno momento de normalidade em um mundo que de repente se
tornou irreconhecível.
— Desculpe o atraso — diz ele, parando a muitos centímetros de mim. Vejo a preocupação em seus
olhos, mesmo que ele consiga manter o rosto sereno. Há guardas circundando o pátio depois do portão.
Não é lugar para nos tocarmos ou revelarmos qualquer familiaridade.
— Tudo bem.
Minha voz falha. Tenho a impressão de que estou com febre. Desde que Alex e eu nos falamos
ontem à noite, sinto minha cabeça girando e meu corpo ora ardendo, ora gelado. Mal consigo raciocinar.
É um milagre que eu tenha conseguido sair de casa hoje. É um milagre que eu sequer tenha vestido
calças e um milagre duplo que eu tenha me lembrado de calçar sapatos.
Minha mãe pode estar viva. Minha mãe pode estar viva. É a única ideia em minha mente, que suplantou a
possibilidade de qualquer outro pensamento racional.
— Está pronta para isto?
Ele mantém a voz baixa e neutra, caso os guardas o escutem, mas consigo detectar uma nota de
preocupação abaixo da superfície.
— Acho que sim — digo. Tento sorrir, mas meus lábios parecem rachados, secos como pedra. —
Pode nem ser ela, não é? Você pode estar enganado.
Alex assente, mas dá para ver que ele tem certeza de que não se enganou. Tem certeza de que minha
mãe está aqui — neste lugar, neste túmulo acima da terra —, e que esteve aqui o tempo todo. A ideia é
avassaladora. Não posso pensar muito na possibilidade de que ele esteja certo. Preciso me concentrar,
direcionar toda a minha energia para simplesmente me manter de pé.
— Vamos — diz ele.
Alex caminha diante de mim, como se estivesse me guiando em um assunto oficial. Mantenho os
olhos fixos no chão. Estou quase feliz pelo fato de a presença dos guardas exigir que Alex me ignore.
Não sei se conseguiria lidar com uma conversa agora. Milhares de sentimentos se agitam dentro de mim,
milhares de perguntas passam por minha cabeça, milhares de esperanças e de desejos suprimidos, há
muito enterrados, mas não posso me segurar em nada, em nenhuma teoria ou explicação que faça
qualquer sentido.
Alex se recusou a me dizer qualquer coisa após a declaração de ontem à noite.
— Você precisa ver — repetia ele estupidamente, como se só soubesse falar isso. — Não quero
alimentar suas esperanças em vão. — E então pediu que eu o encontrasse nas Criptas. Acho que devo
ter ficado em estado de choque. Durante todo o tempo não parei de me parabenizar por não ter tido um
ataque, por não ter gritado, chorado ou exigido uma explicação, porém, mais tarde, quando cheguei em
casa, percebi que não me lembrava de ter voltado e que não me mantive alerta a reguladores ou
patrulhas. Devo ter marchado a passos pesados pelas ruas, cega a tudo mais.