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— Não. — Enterro meu rosto em seu peito, abraço-o e o aperto. Inimaginável, incompreensível:<br />
uma vida sem ele. A ideia me arrasa, o fato de que ele está quase chorando me arrasa; ele ter feito isso<br />
por mim, ele acredita que eu valho todo esse trabalho, e isso me mata. Ele é meu mundo, e meu mundo<br />
é ele, e sem ele não há mundo. — Não vou fazer a intervenção. Não vou levar isso adiante. Não posso.<br />
Quero ficar com você. Preciso ficar com você.<br />
Alex segura meu rosto e se curva para fitar meus olhos. Seu rosto parece radiante agora, cheio de<br />
esperança.<br />
— Você não tem que levar a intervenção adiante — diz ele. Suas palavras saem atrapalhadas. Ele,<br />
obviamente, vem pensando nisso há muito tempo e apenas tentou não dizer. — Lena, você não precisa<br />
fazer nada. Poderíamos fugir. Para a Selva. Simplesmente fugir e nunca mais voltar. Mas... Lena, não<br />
poderíamos voltar jamais. Você sabe disso, não é? Eles nos matariam ou nos prenderiam para sempre....<br />
Mas, Lena, poderíamos fugir.<br />
Eles nos matariam. Claro, ele tem razão. Uma vida fugindo: foi isso o que acabei de dizer que quero.<br />
Dou um passo para trás, sentindo-me tonta de repente.<br />
— Espere — digo. — Espere um segundo.<br />
Ele me solta. A esperança em seu rosto acaba de uma vez, e por um instante ficamos olhando um<br />
para o outro.<br />
— Você não falou sério — diz ele, finalmente. — Não estava falando sério.<br />
— Não, eu falei sério, mas...<br />
— Mas você está com medo.<br />
Alex caminha até a janela e observa a noite, recusando-se a olhar para mim. Suas costas parecem<br />
assustadoras de novo: tão sólidas e impenetráveis, uma parede.<br />
— Não estou com medo. Eu só estou... — Combato uma sensação sombria. Não sei o que estou.<br />
Quero Alex e quero minha vida antiga, quero paz e felicidade, e sei que não posso viver sem ele: tudo ao<br />
mesmo tempo.<br />
— Não tem problema. — A voz dele está abatida. — Não precisa se explicar.<br />
— Minha mãe — digo. Alex se vira, parecendo espantado. Estou tão surpresa quanto ele. Eu não<br />
imaginava que diria essas palavras até elas saírem. — Não quero ser como ela. Você não entende? Vi o<br />
que aconteceu com ela, vi como ela ficou... Isso a matou, Alex. Ela me abandonou, abandonou minha<br />
irmã, abandonou tudo. E tudo por essa coisa, essa coisa dentro dela. Não serei como ela.<br />
Nunca falei sobre isso, e estou surpresa com a dificuldade. Agora preciso me virar, sentindo malestar<br />
e vergonha porque as lágrimas começaram de novo.<br />
— Porque ela não foi curada? — Alex pergunta com um tom delicado.<br />
Por um instante, não consigo falar, apenas me permito chorar, agora em silêncio, torcendo para que<br />
ele não perceba. Quando consigo controlar minha voz, digo:<br />
— Não é só isso.<br />
Então, tudo volta de repente, os detalhes, as informações que nunca compartilhei com ninguém<br />
antes:<br />
— Ela era tão diferente de todo mundo! Eu sabia disso, que ela era diferente, que nós éramos, mas<br />
no início não era algo assustador. Parecia nosso segredinho delicioso. Meu, dela e de Rachel também,<br />
como se estivéssemos em um casulo. Era... era incrível. Mantínhamos todas as cortinas abaixadas, para<br />
que ninguém nos visse. Fazíamos uma brincadeira em que minha mãe se escondia no corredor e Rachel<br />
e eu tentávamos passar em disparada e, então, ela saltava para nos pegar; ela chamava isso de brincar de<br />
duende. E sempre terminava em uma guerra de cócegas. Ela estava sempre rindo. Nós estávamos sempre<br />
rindo. Às vezes, quando éramos muito barulhentas, ela colocava as mãos sobre nossa boca e ficava tensa<br />
por um segundo, escutando. Acho que tentava ouvir movimentações dos vizinhos, para se certificar de<br />
que nenhum deles tinha se alarmado. Mas ninguém nunca apareceu.