04.04.2017 Views

01- Delírio

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Alex segue pelo corredor, passando por uma fileira de portas idênticas de madeira.<br />

— Por aqui.<br />

Acima de nós, ouço um ruído incessante de asas batendo: morcegos, perturbados pelo som da voz<br />

dele. Solto um pequeno grito de medo. Ratos, tudo bem. Ratos voadores, nem tanto. Esse é mais um<br />

motivo pelo qual tenho permanecido no térreo. Durante nossa primeira exploração, entramos no que<br />

deve ter sido a suíte principal — um quarto enorme, com as hastes quebradas de uma enorme cama com<br />

dossel ainda disposta no centro do cômodo —, olhamos para a escuridão acima e vimos dezenas e<br />

dezenas de formas escuras e silenciosas agrupadas nas vigas de madeira, como botões negros horríveis de<br />

flor pendurados de um caule, prontos para cair. Quando nos movemos, vários deles abriram os olhos e<br />

pareceram piscar para mim. O chão estava sujo de cocô de morcego, com um cheiro doce enjoativo.<br />

— Aqui — diz Alex, e, apesar de não ter certeza, acho que ele para em frente à porta da suíte<br />

principal. Tremo. Não tenho a menor vontade de rever o Quarto dos Morcegos. Mas Alex é enfático,<br />

então permito que ele abra a porta e entro primeiro.<br />

Assim que entramos no quarto, fico sem fôlego e paro tão repentinamente que ele esbarra em mim.<br />

O quarto está incrível; transformado.<br />

— E então? — Há uma nota de ansiedade na voz de Alex. — O que você acha?<br />

Não consigo responder de imediato. Alex afastou a cama velha para um dos cantos e lavou o chão<br />

até ficar perfeitamente limpo. As janelas — ou o que restava delas — estão abertas, trazendo para o ar<br />

um cheiro de gardênias e damas-da-noite, aromas que flutuam pelo vento, vindos do jardim. Ele<br />

arrumou nossos cobertores e livros no centro do quarto, onde abriu um saco de dormir, cercando a área<br />

com dezenas e dezenas de velas presas em curiosos castiçais improvisados, como xícaras e canecas velhas<br />

ou latas vazias de Coca-Cola, como na casa dele na Selva.<br />

Mas a melhor parte é o teto: isto é, a falta de teto. Ele deve ter quebrado a madeira apodrecida do<br />

telhado, e, agora, um enorme pedaço do céu mais uma vez se estende acima de nossas cabeças. Há menos<br />

estrelas visíveis em Portland que do outro lado da fronteira, mas ainda é lindo. E o que é melhor, os<br />

morcegos — afugentados de seu poleiro — se foram. Muito acima de nós, lá fora, vejo diversas formas<br />

escuras voando de um lado para o outro na frente da lua, mas, contanto que fiquem no céu aberto, elas<br />

não me incomodam.<br />

De repente me dou conta: ele fez isso para mim. Mesmo depois do que aconteceu hoje, ele veio aqui<br />

e fez isto para mim. Sou dominada por um sentimento de gratidão, e também por outro, que provoca<br />

uma pontada de dor. Não mereço tudo isso. Não mereço Alex. Viro-me para ele e nem consigo falar; seu<br />

rosto está iluminado por uma chama, e ele parece brilhar, transformando-se em fogo. Ele é a imagem<br />

mais bonita que já vi.<br />

— Alex... — começo a dizer, mas não consigo concluir. De repente, estou quase com medo dele,<br />

apavorada diante de sua completa e absoluta perfeição.<br />

Ele se inclina para a frente e me beija. E quando está encostado em mim, tão perto, com a suavidade<br />

de sua camiseta tocando meu rosto e o cheiro de protetor solar e de grama em sua pele, ele parece<br />

menos assustador.<br />

— É muito perigoso voltarmos à Selva. — A voz dele está rouca, como se tivesse gritado com<br />

alguém durante muito tempo, e um músculo se contrai com força em sua mandíbula. — Então, eu<br />

trouxe a Selva até aqui. Achei que você fosse gostar.<br />

— Gostei. Eu... Eu amei.<br />

Aperto as mãos contra o peito, desejando que, de algum jeito, eu pudesse estar ainda mais próxima<br />

dele. Detesto pele. Detesto ossos e corpos. Quero me enrolar dentro dele e ser carregada ali para sempre.<br />

— Lena. — Diferentes expressões passam por seu rosto tão depressa que mal consigo identificá-las,<br />

e sua mandíbula continua movendo-se sem parar. — Sei que não temos muito tempo, como você disse.<br />

Quase não temos tempo...

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!