01- Delírio

— Lena — repete ele, mas parece não saber o que dizer além disso. Levanto-me, desajeitada,
secando o rosto com meu antebraço.
— Você recebeu meu bilhete.
Tento engolir as lágrimas, mas acabo apenas soluçando diversas vezes.
— Bilhete? — pergunta Alex.
Eu queria estar segurando ainda a lanterna para ver melhor o rosto dele. Ao mesmo tempo, morro
de medo disso e da distância que eu talvez encontre ali.
— Deixei um bilhete no Governador — digo. — Queria que você viesse me encontrar aqui.
— Não peguei — diz ele. Acho que ouço uma frieza em sua voz. — Eu só vim...
— Pare.
Não posso deixar que ele continue. Não posso permitir que diga que veio empacotar tudo e que não
quer me ver de novo. Isso me mataria. Amor, a mais mortal das coisas mortais.
— Ouça — digo, soluçando. — Ouça, sobre hoje... Não foi minha ideia. Carol disse que eu tinha
que conhecê-lo, e não consegui avisar a você. E, então, estávamos lá, e eu estava pensando em você e na
Selva e em como tudo mudou tanto e em como não há mais tempo, não há mais tempo para nós, e por
um segundo, por um único segundo, desejei que as coisas pudessem voltar a ser como antes. — O que
eu falo não faz sentido, e eu sei disso. A explicação que repassei mentalmente tantas vezes está saindo
toda enrolada, as palavras saltam umas sobre as outras. As desculpas parecem irrelevantes: enquanto
falo, percebo que só uma coisa realmente importa. Alex e eu não temos mais tempo. — Mas juro que
não desejei de verdade. Se nunca tivéssemos nos conhecido, eu não poderia ter... Eu não sabia o que
nada significava antes de conhecer você, não realmente.
Alex me puxa para junto dele e me abraça. Enterro o rosto em seu peito. Ele parece encaixar com
tanta precisão, tão exatamente, que é como se nossos corpos tivessem sido projetados um para o outro.
— Psiu — sussurra ele em meu cabelo.
Ele me aperta com tanta força que machuca um pouco, mas não me importo. É bom, como se eu
pudesse tirar os pés do chão e não mexer um músculo, e, ainda assim, ele me seguraria. — Não estou
bravo com você, Lena.
Afasto-me minimamente. Sei que, mesmo no escuro, meu rosto deve estar horrível. Meus olhos
estão inchados e meu cabelo, grudado no rosto. Felizmente, ele continua me abraçando.
— Mas você... — Engulo em seco e respiro fundo. — Você levou tudo embora. Todas as nossas
coisas.
Ele desvia o olhar por um segundo. Seu rosto está imerso nas sombras. Quando ele fala, sua voz soa
alta demais, como se ele precisasse expulsar as palavras para conseguir dizê-las.
— Sempre soubemos que isso aconteceria. Sabíamos que não teríamos muito tempo.
— Mas... Mas... — Não preciso dizer que estávamos fingindo. Que agíamos como se nada fosse
mudar nunca.
Ele segura meu rosto com as duas mãos e limpa minhas lágrimas com os polegares.
— Não chore, tudo bem? Não chore mais. — Ele beija levemente a ponta de meu nariz e, depois,
pega uma de minhas mãos. — Quero mostrar uma coisa para você. — Há uma pequena falha em sua
voz, e penso em coisas se desfazendo, desmoronando.
Ele me leva até a escada. Bem acima de nós o teto está podre em alguns pontos, o que permite que a
luz prateada marque cada degrau. A escadaria deve ter sido magnífica em alguma época, subindo
majestosamente antes de se dividir em duas partes, levando a corredores em ambos os lados.
Não fui ao segundo andar desde a primeira vez em que Alex me trouxe aqui com Hana, quando
decidimos explorar cada cômodo da casa. Nem pensei em verificar o segundo andar quando estive aqui
antes. É ainda mais escuro que o térreo, se é que é possível, e mais quente, com uma bruma negra e
flutuante.