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01- Delírio

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— Quer ouvir outro? — Ele não me espera responder antes de começar a recitar: — “Como a amo?<br />

Deixe-me contar...”<br />

Aí está essa palavra outra vez: amor. Meu coração para quando ele a pronuncia e, em seguida, bate<br />

em um ritmo acelerado.<br />

— “Eu a amo ao largo e ao fundo que minh’alma alcança...”<br />

Sei que ele está apenas repetindo as palavras de outra pessoa, mas, ainda assim, elas parecem vir dele.<br />

Seus olhos estão dançando com a luz; em cada um, vejo um ponto brilhante de uma chama refletida.<br />

Ele dá um passo adiante e beija minha testa suavemente.<br />

— “Eu a amo até o ponto de qualquer necessidade...”<br />

Parece que o chão está balançando — como se eu estivesse caindo.<br />

— Alex... — começo a dizer, mas a palavra fica presa em minha garganta.<br />

Ele beija minhas bochechas — beijos leves e deliciosos, mal tocando minha pele.<br />

— “Eu a amo livremente...”<br />

— Alex — repito, um pouco mais alto. Meu coração está batendo tão depressa que acho que vai<br />

explodir contra as minhas costelas.<br />

Ele recua e dá um sorriso pequeno e torto.<br />

— Elizabeth Barrett Bowning — diz ele, passando um dedo ao longo de meu nariz. — Não gosta?<br />

A maneira como ele diz, tão baixa e séria, ainda me olhando nos olhos, faz com que eu sinta como<br />

se ele, na verdade, estivesse perguntando outra coisa.<br />

— Não. Quer dizer, sim. Quer dizer, gosto, mas...<br />

A verdade é que não tenho certeza do que quero dizer. Não consigo pensar ou falar com clareza.<br />

Uma única palavra gira dentro mim, uma tempestade, um furacão, e preciso apertar os lábios para<br />

impedir que ela cresça até minha língua e escape. Amor, amor, amor, amor. Uma palavra que nunca<br />

pronunciei, para ninguém, uma palavra na qual eu sequer me permitia pensar.<br />

— Você não precisa explicar.<br />

Alex dá mais um passo para trás. Novamente tenho a sensação perturbadora de que estamos falando<br />

sobre outra coisa. Eu o decepcionei de alguma forma. O que quer que tenha acabado de se passar entre<br />

nós — e alguma coisa aconteceu, mesmo que eu não saiba ao certo o que foi, como ou por que —,<br />

deixou-o triste. Posso ver em seus olhos, apesar de Alex ainda estar sorrindo, e quero pedir desculpas ou<br />

abraçá-lo e pedir que ele me beije. Mas ainda tenho medo de abrir a boca — medo de que a palavra saia<br />

em disparada, e apavorada com o que pode vir depois.<br />

— Venha cá — continua Alex, repousando o livro e me oferecendo sua mão. — Quero mostrar<br />

uma coisa.<br />

Ele me leva até a cama, e, mais uma vez, uma onda de timidez me domina. Não sei ao certo o que ele<br />

espera, e quando ele se senta, continuo de pé, insegura.<br />

— Está tudo bem, Lena — diz ele. Como sempre, relaxo ao ouvi-lo dizer meu nome. Ele deita na<br />

cama, e eu faço o mesmo, de modo que ficamos lado a lado. A cama é estreita. Só tem espaço suficiente<br />

para nós dois.<br />

— Viu? — diz Alex, inclinando o queixo para cima.<br />

No alto, as estrelas brilham e piscam: milhares e milhares delas, tantos milhares que parecem flocos<br />

de neve rodopiando na escuridão. Não consigo resistir, fico sem ar. Acho que nunca vi tantas estrelas. O<br />

céu parece tão próximo — tão esticado sobre nossas cabeças, acima do trailer sem teto — que parece que<br />

estamos caindo nele, parece que, se pulássemos da cama, o céu nos pegaria, nos seguraria e nos<br />

empurraria de volta como se fosse um trampolim.<br />

— O que achou? — pergunta Alex.<br />

— Eu amei. — A palavra escapa, e, instantaneamente, o peso em meu peito se dissipa. — Eu amei<br />

— repito, testando. Uma palavra fácil de falar, depois que se fala. Curta, direta. Rola pela língua. É

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