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01- Delírio

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Willow Marks; Hana se perguntando em voz alta no vestiário como deve ser o sexo, enquanto eu chiava<br />

para que ela se calasse, olhando por cima do ombro para ter certeza de que ninguém estava ouvindo.<br />

Alex encontra algumas velas e começa a acendê-las, uma a uma, e os espaços do trailer vão surgindo<br />

enquanto ele as espalha cuidadosamente pelo trailer. O que mais me impressiona são os livros: formas<br />

protuberantes que na escuridão pareciam parte da mobília agora se apresentam como enormes pilhas de<br />

livros — mais livros do que jamais vi em qualquer lugar, exceto na biblioteca. Há três prateleiras de<br />

livros em uma parede. Mesmo a geladeira, cuja porta foi retirada, está cheia de livros.<br />

Pego uma vela e observo os títulos. Não reconheço nenhum.<br />

— O que são estes? — pergunto.<br />

Alguns parecem tão velhos e rachados que fico com medo de tocá-los e eles se desfazerem. Repito<br />

os nomes que leio nas lombadas, pelo menos aqueles que consigo decifrar: Emily Dickinson, Walt<br />

Whitman, William Wordsworth.<br />

Alex olha para mim.<br />

— Isso é poesia — diz ele.<br />

— O que é poesia?<br />

Nunca ouvi essa palavra antes, mas gosto de como ela soa. Parece, de alguma forma, elegante e<br />

simples, como uma bela mulher rodopiando em um vestido longo.<br />

Alex acende a última vela. Agora o trailer foi tomado por uma acolhedora luz bruxuleante. Ele se<br />

junta a mim diante da prateleira e se abaixa, à procura de algo. Retira um livro e se levanta, entregando-o<br />

para que eu o examine.<br />

Famosas poesias de amor. Meu estômago se revira quando vejo esta palavra — amor — impressa com<br />

tanta clareza na capa de um livro. Alex está me olhando atentamente, então, para disfarçar meu<br />

desconforto, abro o livro e examino a lista de autores, relacionados nas primeiras páginas.<br />

— Shakespeare? — Este nome eu reconheço das aulas de saúde. — O cara que escreveu Romeu e<br />

Julieta? O conto de alerta?<br />

Alex ri.<br />

— Não é um conto de alerta — diz ele. — É uma incrível história de amor.<br />

Penso naquele primeiro dia no laboratório: a primeira vez em que vi Alex. Parece que foi há uma<br />

vida. Lembro-me de minha mente expelindo a palavra lindo. Lembro-me de ter pensado em algo<br />

relacionado a sacrifício.<br />

— Eles baniram a poesia há anos, logo depois que descobriram a cura. — Ele pega o livro<br />

novamente e o abre. — Quer ouvir um poema?<br />

Faço que sim com a cabeça. Ele tosse e limpa a garganta, e então endireita os ombros e move o<br />

pescoço, como se estivesse prestes a entrar em um jogo de futebol.<br />

— Vá em frente — digo, rindo. — Você está enrolando.<br />

Ele limpa a garganta de novo e começa a ler:<br />

— “Se te comparo a um dia de verão...”<br />

Fecho os olhos e ouço. A sensação que tive antes, de estar cercada por calor, incha e cresce dentro<br />

de mim como uma onda. Poesia é diferente de qualquer escrita que já vi antes. Não entendo tudo,<br />

apenas pedaços de imagens e frases que parecem incompletas, todas flutuando juntas como fitas<br />

coloridas ao vento. Percebo que isso me faz lembrar a música que me hipnotizou há quase dois meses na<br />

fazenda. Tem o mesmo efeito, e me faz sentir feliz e triste ao mesmo tempo.<br />

Alex acaba de ler. Quando abro os olhos, ele está me encarando.<br />

— O quê? — pergunto. A intensidade de seu olhar quase me arranca o fôlego, como se ele estivesse<br />

olhando para dentro de mim.<br />

Ele não me responde diretamente. Avança algumas páginas no livro, mas não desvia o olhar.<br />

Mantém os olhos fixos em mim o tempo todo.

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