01- Delírio

— Uau! É... É...
— Não parece grande coisa visto de fora — Alex me interrompe. Ele desvia o olhar, mordendo o
canto dos lábios. — Você quer, hum, entrar?
Concordo, com a certeza de que, se tentasse falar agora, soltaria apenas barulhos agudos de novo. Já
estive sozinha com ele inúmeras vezes, mas isto parece diferente. Aqui, não há olhos esperando para nos
flagrar, não há vozes esperando para gritar conosco, não há mãos prontas para nos separar — apenas
quilômetros e quilômetros de espaço. É maravilhoso e aterrorizante ao mesmo tempo. Tudo pode
acontecer aqui, e quando ele se curva para me beijar, é como se o peso da escuridão aveludada à nossa
volta, o suave sussurro das árvores e o ruído dos passos de animais que não podemos ver pulassem em
meu peito, fazendo-me sentir como se eu me dissolvesse e me expandisse pela noite. Quando ele recua,
leva alguns segundos para recobrar o fôlego.
— Vamos — diz ele, e apoia o ombro na porta do trailer até abri-la.
Dentro do trailer é muito escuro. Só consigo distinguir alguns contornos, e quando Alex fecha a
porta atrás de nós, mesmo isso desaparece, sugado pela escuridão.
— Não tem eletricidade aqui — diz Alex. Ele está se movendo, esbarrando em objetos e
praguejando baixinho de vez em quando.
— Você tem velas? — pergunto.
O trailer tem um cheiro estranho, como folhas de outono que caíram dos galhos. É agradável. Há
outros aromas também — o marcante odor cítrico de produtos de limpeza, e, muito fraco, um cheiro de
gasolina.
— Algo ainda melhor.
Ouço ruídos; uma borrifada de água me atinge. Solto um gritinho.
— Desculpe, desculpe — diz Alex. — Faz tempo que não venho aqui. Cuidado. — Mais ruídos. E,
então, lentamente, o teto sobre minha cabeça treme levemente e se dobra e, de repente, o céu aparece em
toda a sua enormidade. A lua está quase exatamente acima de nós, enchendo o trailer de luz, coroando
tudo em prata. Percebo, agora, que o “teto” é, na verdade, uma enorme lona de plástico, uma versão
maior do tipo de coisa que seria usada para cobrir uma churrasqueira. Alex está de pé em cima de uma
cadeira, enrolando a lona, e a cada centímetro um pouco mais do céu é revelado, fazendo com que tudo
no trailer pareça brilhar ainda mais intensamente.
O ar fica preso em minha garganta.
— É lindo.
Alex me olha por cima do ombro e sorri. Ele continua enrolando a lona, parando de vez em quando
para mover a cadeira e começar de novo.
— Um dia, uma tempestade levou metade do teto. Eu não estava aqui, felizmente. — Ele também
está brilhando, com os braços e ombros banhados em prata. Exatamente como na noite das batidas,
penso nas imagens dos anjos na igreja, com suas asas nas costas. — Decidi que era melhor me livrar do
teto inteiro. — Ele termina o trabalho e salta da cadeira com agilidade, virando-se para mim, sorrindo.
— É minha própria casa conversível.
— É incrível — digo, com sinceridade. O céu parece tão próximo! Tenho a sensação de que poderia
esticar o braço e tocar a lua com os dedos.
— Agora, vou pegar as velas.
Alex passa por mim em direção à área da cozinha e começa a remexer em algumas coisas. Consigo
ver os objetos maiores agora, ainda que os detalhes estejam perdidos na escuridão. Há um pequeno
forno a lenha no canto. No canto oposto, há uma cama de solteiro. Meu estômago se revira brevemente
quando a vejo, e milhares de lembranças me inundam ao mesmo tempo: Carol sentada em minha cama,
falando, com sua voz comedida, das expectativas de um marido e uma mulher; Jenny colocando a mão
no quadril e dizendo que não vou saber o que fazer quando chegar a hora; histórias cochichadas sobre