01- Delírio

segundo depois, um largo feixe de luz corta a escuridão em direção ao alto, iluminando o bosque denso
e o mato à nossa volta.
— Achei — diz Alex, sorrindo, mostrando-me a lanterna. Ele direciona a luz para uma caixa de
ferramentas enferrujada e meio enterrada no chão. — Deixamos aqui, para quem atravessa — explica
ele. — Está pronta?
Confirmo com um aceno de cabeça. Sinto-me muito melhor agora que conseguimos ver por onde
estamos indo. Os galhos acima de nós formam um toldo que lembra a abóbada da catedral St. Paul,
onde eu costumava me sentar durante o catecismo para ouvir sermões sobre átomos, probabilidades e
ordens divinas. As folhas sussurram e se sacodem ao nosso redor, formando padrões inquietos em tons
de verde e preto, dançando enquanto incontáveis bichos que não podemos ver correm e pulam de galho
em galho. De vez em quando, a luz da lanterna de Alex é refletida, por um breve segundo, em um par de
olhos arregalados e brilhantes que nos observa solenemente através da densa folhagem antes de voltar a
desaparecer na escuridão. É incrível. Nunca vi nada parecido — toda essa vida surgindo por todos os
lados, crescendo, como se a cada segundo ela se expandisse e se levantasse, e não sei explicar, mas ela me
faz sentir pequena e um pouco tola, como se eu estivesse invadindo a propriedade de alguém muito mais
velho e mais importante.
Alex caminha com mais firmeza agora, às vezes levantando um galho para que eu passe por baixo ou
partindo outros que bloqueiam nossa passagem, mas não seguimos nenhuma trilha que eu possa ver, e
após quinze minutos começo a temer que estejamos simplesmente andando em círculos ou penetrando
cada vez mais na floresta sem qualquer destino. Estou quase lhe perguntando se sabe aonde estamos
indo quando percebo que, às vezes, ele hesita e ilumina os troncos que nos cercam como silhuetas altas e
fantasmagóricas. Alguns deles, vejo, estão marcados com uma faixa de tinta azul.
— A tinta... — digo.
Alex me olha por cima do ombro.
— Nosso mapa — diz ele, voltando a andar. E acrescenta: — Ninguém quer se perder por aqui,
acredite.
Então, de repente, as árvores simplesmente acabam. Em um momento, estávamos no meio da
floresta, cercados por todos os lados, e, no seguinte, estamos em uma estrada pavimentada, uma faixa
desgastada de concreto iluminada pelo luar, lembrando uma língua manchada.
A estrada é cheia de buracos, rachaduras e deformações, então precisamos contornar montes
enormes de pedaços de concreto. Ela sobe uma ladeira longa e pouco íngreme, e então desaparece do
outro lado do cume, onde há outra margem escura de árvores.
— Dê-me sua mão — diz Alex.
Ele está sussurrando novamente, e, mesmo sem saber o motivo, fico satisfeita. Por algum motivo,
sinto como se houvesse acabado de entrar em um cemitério. Em ambos os lados da estrada há enormes
clareiras, cobertas por um mato alto até a cintura que canta e sussurra ao vento, e algumas árvores finas
e jovens, que parecem frágeis e expostas no meio daquele espaço aberto. Parece haver também algumas
toras, enormes toras de madeira empilhadas, e objetos que parecem metálicos, brilhantes e luminosos na
grama.
— O que é isto? — sussurro para Alex, mas, depois que pergunto, um pequeno grito se forma em
minha garganta, e vejo, e entendo.
No meio de um dos matagais sussurrantes há um grande caminhão azul, perfeitamente intacto, como
se alguém tivesse vindo até aqui só para fazer um piquenique.
— Isto era uma rua — diz Alex. Sua voz ficou tensa. — Destruída durante a blitz. Há milhares e
milhares como esta por todo o país, bombardeadas, totalmente destruídas.
Estremeço. Não foi à toa que tive a sensação de andar por um cemitério. Estou em um, de certa
forma. A blitz foi uma campanha que durou um ano e aconteceu muito antes de eu nascer, quando