01- Delírio

sou feia, mas também não sou bonita. Tudo é um meio-termo. Tenho olhos que não são verdes nem
castanhos, mas uma mistura. Não sou magra, mas também não sou gorda. A única característica que
definitivamente pode ser dita sobre mim é a seguinte: sou baixa.
— Se perguntarem, Deus queira que não, sobre seus primos, lembre-se de dizer que não os conhecia
bem…
— Aham.
Não estou prestando muita atenção. Está quente, quente demais para junho, e já estou transpirando
nas costas e nas axilas, apesar de ter passado uma quantidade generosa de desodorante pela manhã. À
nossa direita está a baía Casco, encurralada pelas ilhas Peaks e Great Diamond, onde ficam as torres de
vigilância. Depois delas, há o oceano — e, depois desse, todos os países e cidades decadentes arruinados
pela doença.
— Lena? Você está me ouvindo?
Carol põe uma das mãos em meu braço e me vira de frente para ela.
— Azul — repito automaticamente para ela. — Azul é minha cor preferida. Ou verde.
Preto é mórbido demais, vermelho vai inquietá-los, cor-de-rosa é muito infantil, laranja é
extravagante.
— E as atividades que você gosta de fazer em seu tempo livre?
Gentilmente me livro das garras dela.
— Já falamos a esse respeito.
— Isso é importante, Lena. Hoje talvez seja o dia mais importante de sua vida.
Suspiro. Diante de mim, os portões que cercam os laboratórios do governo se abrem lentamente
com um ruído mecânico. Há duas filas se formando: de um lado, as meninas, e a quinze metros, em uma
segunda entrada, os meninos. Estreito os olhos por causa do sol, tentando reconhecer as pessoas, mas o
reflexo no oceano me cegou e minha visão está cheia de pontos pretos.
— Lena? — minha tia chama minha atenção.
Respiro fundo e me lanço na lenga-lenga que ensaiamos um bilhão de vezes.
— Gosto de trabalhar no jornal da escola. Eu me interesso por fotografia porque gosto da maneira
como ela captura e preserva um momento específico. Gosto de me divertir com meus amigos e ir a
shows no parque Deering Oaks. Gosto de correr e fui cocapitã do time de corrida durante dois anos. É
meu o recorde da escola na corrida de cinco quilômetros. Normalmente cuido dos mais novos de minha
família e adoro crianças.
— Você está fazendo uma careta — diz minha tia.
— Eu amo crianças — repito, engessando um sorriso no rosto.
A verdade é que não gosto de muitas crianças além de Grace. Elas são muito instáveis e barulhentas o
tempo todo, e estão sempre pegando coisas, babando e se molhando. Mas sei que terei filhos um dia.
— Melhorou — diz Carol. — Continue.
— Minhas matérias preferidas são matemática e história — concluo.
Ela assente, satisfeita.
— Lena!
Viro-me. Hana está saltando do carro dos pais — seu cabelo louro voa em mechas e ondas ao redor
do rosto e sua túnica escorrega, deixando à mostra um dos ombros bronzeados. Todos os meninos e
meninas enfileirados para entrar nos laboratórios se voltam para vê-la. Hana exerce esse tipo de poder
sobre as pessoas.
— Lena! Espere!
Hana corre pela rua, acenando freneticamente para mim. Atrás dela, o carro começa uma manobra
lenta: para trás e para a frente, para trás e para a frente, na rua estreita, até tomar a direção oposta. O
carro dos pais de Hana é tão polido e escuro quanto uma pantera. Nas poucas vezes em que andamos