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dezoito<br />
Mary, traga seu guarda-chuva —<br />
O sol brilha neste belo, belo dia<br />
Mas as cinzas que chovem eternamente<br />
Deixarão seu cabelo cinza.<br />
Mary, mantenha seus remos firmes<br />
Veleje pela enchente crescente<br />
Mantenha sua vela pronta<br />
Marés vermelhas são iguais a sangue.<br />
— “Miss Mary” (cantiga de roda datada da época do<br />
ataque), Cantigas e além: uma história das brincadeiras.<br />
As luzes da guarita desaparecem imediatamente como se tivessem sido fechadas em um cofre. Árvores<br />
nos cercam, folhas e arbustos me empurram de todos os lados, roçando em meu rosto, pernas e ombros<br />
como milhares de mãos sombrias, e por todos os lados começa uma estranha cacofonia, seres se<br />
agitando, corujas piando e animais se movendo no mato. O ar tem um cheiro tão forte de flores e de<br />
vida que parece ter textura, como uma cortina que pudesse ser aberta. A escuridão é total. Não consigo<br />
nem ver Alex à minha frente agora, apenas sinto sua mão puxando a minha.<br />
Penso que posso estar ainda mais assustada agora do que durante a travessia e puxo a mão de Alex,<br />
torcendo para que ele me entenda e pare.<br />
— Um pouco mais adiante — surge sua voz na escuridão diante de mim.<br />
Ele me puxa. Mas avançamos lentamente, e ouço gravetos se quebrando e galhos de árvores se<br />
agitando, e sei que Alex está tateando o caminho, tentando liberar nossa passagem. Parece que<br />
percorremos centímetros, mas é incrível a rapidez com que perdemos de vista a fronteira e tudo o que<br />
havia no outro lado, como se jamais tivessem existido. Atrás de mim há escuridão. É como estar debaixo<br />
da terra.<br />
— Alex... — começo a falar. Minha voz soa estranha e sufocada.<br />
— Pare — diz ele. — Espere.<br />
Ele solta minha mão, e eu dou um gritinho sem querer. Então, suas mãos buscam meus braços, e sua<br />
boca esbarra em meu nariz ao me beijar.<br />
— Está tudo bem — diz ele em um tom de voz quase normal agora, o que me faz imaginar que<br />
estamos seguros. — Não vou a lugar nenhum. Só preciso encontrar a porcaria da lanterna, tudo bem?<br />
— Sim, tudo bem.<br />
Esforço-me para respirar normalmente, sentindo-me idiota. Fico imaginando se Alex está<br />
arrependido de me trazer aqui. Não fui exatamente uma Miss Coragem.<br />
Como se pudesse ler minha mente, Alex me dá outro beijo, dessa vez no canto dos lábios. Acho que<br />
os olhos dele também não se ajustaram à escuridão.<br />
— Você está indo muito bem — diz ele.<br />
Então, ouço-o se mexendo entre os galhos à minha volta, praguejando em voz baixa, um monólogo<br />
que não consigo acompanhar direito. Um minuto depois ele faz um ruído rápido e animado, e, um