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Ele me lança um sorriso torto rápido e começa a andar preguiçosamente pelos corredores, pegando<br />
produtos completamente aleatórios — como um pacote de torresmo e a lata de uma sopa muito nojenta<br />
de couve-flor — e fazendo comentários exagerados de interesse, como “Isso parece delicioso”, então<br />
preciso me empenhar ao máximo para não gargalhar. Em um momento ele tem que se espremer para<br />
passar por Jed, pois os corredores da loja são bem estreitos e Jed não é exatamente um peso-pena, e<br />
quando Jed mal olha para ele, sinto uma forte excitação. Ele não sabe. Ele não sabe que ainda sinto o<br />
gosto dos lábios de Alex nos meus, que ainda sinto sua mão em meu ombro.<br />
Pela primeira vez na vida fiz algo por mim, e porque escolhi, não porque alguém disse que era bom<br />
ou ruim. Enquanto Alex caminha pela loja, penso que há um fio invisível nos unindo e, de alguma<br />
forma, sinto-me mais poderosa do que nunca.<br />
Finalmente Alex se aproxima do balcão com um pacote de chicletes, um saco de salgadinhos e um<br />
refrigerante.<br />
— Mais alguma coisa? — pergunto, tomando cuidado para manter a voz firme. Mas posso sentir<br />
minhas bochechas se ruborizando. Os olhos dele estão incríveis hoje, quase ouro puro.<br />
Ele balança a cabeça.<br />
— Só isso.<br />
Registro os preços, com as mãos trêmulas, desesperada para dizer algo mais para ele, mas<br />
preocupada com a possibilidade de que Jed nos ouça. Nesse instante, outro cliente entra na loja, um<br />
homem mais velho que parece um regulador. Então, conto o troco de Alex o mais lenta e<br />
cuidadosamente possível, tentando mantê-lo diante de mim o máximo de tempo possível.<br />
Mas não há muitas maneiras de se contar o troco para uma nota de cinco dólares. Acabo lhe<br />
entregando o troco. Nossas mãos se tocam quando coloco as notas em sua palma, e um choque me<br />
atravessa. Quero agarrá-lo, puxá-lo para mim e beijá-lo ali mesmo.<br />
— Tenha um ótimo dia.<br />
Minha voz soa aguda, sufocada. Fico surpresa por sequer conseguir pronunciar essas palavras.<br />
— Ah, eu terei. — Ele me lança seu sorriso torto e incrível enquanto recua para a porta. — Vou<br />
para a enseada.<br />
E então ele vai embora, saindo para a rua. Tento vê-lo andar, mas o sol me ofusca assim que ele sai e<br />
se transforma em uma sombra borrada, oscilando e desaparecendo.<br />
Não consigo suportar. Detesto pensar que ele está andando pelas ruas, afastando-se cada vez mais. E<br />
ainda preciso enfrentar mais cinco horas antes de nosso encontro. Não vou aguentar. Antes que consiga<br />
pensar no que estou fazendo, circundo o balcão e arranco o avental que estava usando desde que<br />
precisei lidar com um vazamento em um dos freezers.<br />
— Jed, cuide do caixa por um segundo, tudo bem? — grito.<br />
Ele pisca para mim, confuso.<br />
— Aonde você vai?<br />
— O cliente — respondo. — Dei o troco errado.<br />
— Mas... — Jed começa a dizer. Não espero para ouvir seus protestos. Já posso imaginar quais<br />
serão, mesmo: Mas você contou o troco durante cinco minutos. Que seja. Então Jed vai pensar que sou burra.<br />
Não me incomodo.<br />
No fim da rua, Alex está parado na esquina, esperando a passada barulhenta de um caminhão<br />
municipal.<br />
— Ei! — grito.<br />
Ele se vira. Uma mulher empurrando um carrinho de bebê, do outro lado da rua, para, levanta a<br />
mão para proteger os olhos e acompanha minha corrida pela rua. Estou indo o mais rápido possível,<br />
mas a dor em minha perna impede que eu faça mais do que mancar. Posso sentir o olhar da mulher<br />
espetando todo o meu corpo, como um monte de agulhas.