Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Eu estava tentando ao máximo andar normalmente.<br />
Desvio o olhar. É mais fácil mentir quando não estou olhando nos olhos dela.<br />
— Acho que não.<br />
— Não minta para mim. — A voz dela se torna fria. — Acha que eu não sei o motivo, mas sei. —<br />
Por um segundo aterrorizante penso que ela vai me pedir para levantar a calça do pijama ou me dizer<br />
que sabe da festa. Mas então ela fala: — Você correu outra vez, não correu? Apesar de eu ter dito para<br />
não correr.<br />
— Só uma vez — respondo, aliviada. — Acho que talvez tenha torcido o tornozelo.<br />
Carol balança a cabeça e parece decepcionada.<br />
— Francamente, Lena. Não sei quando você começou a me desobedecer. Pensei que você, mais que<br />
todo mundo... — Ela se interrompe. — Ah, enfim. Só mais cinco semanas, certo? E então tudo vai se<br />
resolver.<br />
— Certo — digo, forçando um sorriso.<br />
Durante toda a manhã oscilo entre me preocupar com Hana e pensar em Alex. Registro o preço<br />
errado para os clientes duas vezes e preciso chamar Jed, o gerente geral da loja, para corrigir o erro.<br />
Depois, derrubo uma prateleira inteira de massas congeladas e etiqueto com o preço errado umas doze<br />
caixas de queijo cottage. Graças a Deus meu tio não está na loja hoje; ele está fazendo entregas, então<br />
somos apenas Jed e eu. E Jed mal olha para mim ou fala comigo, exceto em grunhidos, então tenho<br />
quase certeza de que ele não vai notar que de repente me tornei uma confusão incompetente e<br />
desajeitada.<br />
Conheço parte do problema, é claro. A desorientação, a distração, a dificuldade de concentração —<br />
todos os sintomas clássicos da Fase Um do deliria. Mas não me importo. Se pneumonia fosse tão bom<br />
assim, eu ficaria na neve durante o inverno, descalça e sem casaco, ou iria ao hospital e beijaria pacientes<br />
com pneumonia.<br />
Falei para Alex meus horários de trabalho, e concordamos em nos encontrar na enseada Back logo<br />
depois de meu turno, às seis horas. Os minutos se arrastam até o meio-dia. Juro que nunca vi o tempo<br />
passar tão lentamente. É como se cada segundo precisasse de um incentivo para avançar até o próximo.<br />
Fico desejando que o relógio ande mais depressa, mas ele parece resistir deliberadamente. Vejo uma<br />
cliente no pequeno corredor de produtos (mais ou menos) frescos colocar o dedo no nariz; olho para o<br />
relógio; olho de novo para a cliente; olho de novo para o relógio — e o segundo ponteiro ainda não se<br />
moveu. Sinto um medo terrível de que o tempo pare completamente, enquanto essa mulher mantém o<br />
dedo mindinho enterrado na narina direita, bem na frente das alfaces murchas.<br />
Ao meio-dia, tenho um intervalo de quinze minutos, então saio e me sento na calçada, engolindo<br />
algumas mordidas de um sanduíche, apesar de não sentir fome. A ansiedade para rever Alex está<br />
afetando demais meu apetite. Outro sintoma do deliria.<br />
Pode vir.<br />
À uma hora, Jed começa a repor os estoques nas prateleiras, e eu continuo presa atrás do balcão.<br />
Está incrivelmente quente, e há uma mosca presa na loja, que não para de zumbir e bater na prateleira<br />
pendurada sobre minha cabeça, onde mantemos alguns maços de cigarro, frascos de antiácido e outros<br />
produtos. O ruído da mosca e do pequeno ventilador girando atrás de mim e o calor me fazem querer<br />
dormir. Se eu pudesse, apoiaria a cabeça no balcão e sonharia, sonharia e sonharia. Sonharia que estava<br />
novamente no abrigo com Alex. Sonharia com a firmeza de seu corpo contra o meu, a força de suas<br />
mãos e sua voz dizendo “Deixe-me mostrar”.<br />
O sino em cima da porta soa uma vez, e desperto de meu devaneio.<br />
E lá está ele, entrando pela porta com as mãos nos bolsos de uma bermuda surrada e o cabelo<br />
espetado como se fosse realmente feito de folhas e gravetos. Alex.<br />
Quase caio do banco.