01- Delírio

Livres: eram totalmente livres. Eu pensava que nada, nem ninguém, era livre em Portland, mas estava
enganado. Sempre havia os pássaros.
Ele fica em silêncio por algum tempo, e penso que talvez a história tenha acabado. Fico imaginando
se ele esqueceu minha pergunta inicial — por que eu? —, mas estou envergonhada demais para lembrá-lo,
então simplesmente continuo sentada e o imagino na fronteira, parado, observando os pássaros no céu.
O pensamento me acalma.
Depois do que parece uma eternidade, ele volta a falar, dessa vez com uma voz tão baixa que preciso
me inclinar em sua direção para conseguir ouvi-lo.
— Na primeira vez em que vi você, no Governador, fazia anos que eu não andava até a fronteira
para observar os pássaros. Mas você me lembrou deles. Você estava pulando e gritando alguma coisa,
seu cabelo se soltava do rabo de cavalo, e você era tão veloz... — Ele balança a cabeça. — Apenas um
raio, e, depois, desapareceu. Exatamente como um pássaro.
Não sei como — eu não pretendia me mexer, nem tinha percebido qualquer movimento —, mas, de
alguma forma, estávamos frente a frente no escuro, separados por poucos centímetros.
— Todos estão adormecidos. Estão adormecidos há anos. Você parecia... acordada. — Alex está
sussurrando. Ele fecha os olhos e os abre novamente. — Estou cansado de dormir.
Dentro de mim, tudo está se agitando como se tivesse seguido o que ele disse, transformando-se em
pássaros voando: o restante de meu corpo parece flutuar em correntes intensas de calor, como se um
vento quente soprasse através de mim e me decompusesse, e me transformasse em ar.
Isto é errado, diz uma voz em mim, mas não a minha voz. É a de outra pessoa — uma espécie de
mistura entre minha tia, Rachel, todos os meus professores e o avaliador que fez a maioria das perguntas
na segunda avaliação.
Em voz alta, digo com um tom agudo:
— Não.
Mas outra palavra está se erguendo dentro de mim, borbulhando como água fresca jorrando da terra.
Sim, sim, sim.
— Por quê? — Ele mal está sussurrando. Suas mãos encontram meu rosto, as pontas de seus dedos
tocando ligeiramente minha testa, o topo das orelhas, minhas bochechas. Tudo o que ele toca é fogo.
Meu corpo inteiro está queimando; nós nos tornamos dois pontos da mesma chama branca e brilhante.
— Do que você tem medo?
— Você precisa entender. Eu só quero ser feliz. — Mal consigo expelir essas palavras. Minha mente
é uma neblina, cheia de fumaça, nada existe além de seus dedos dançando e se movendo em minha pele,
em meu cabelo. Gostaria que ele parasse. Quero que isso continue para sempre. — Eu só quero ser
normal, como todo mundo.
— Tem certeza de que ser como todo mundo fará você feliz? — diz ele no mais leve sussurro; sua
respiração em minha orelha e em meu pescoço, sua boca roçando minha pele. E, então, penso que
realmente posso ter morrido. Talvez o cachorro tenha me mordido e eu tenha sido atingida na cabeça, e
isso tudo não passe de um sonho: o restante do mundo se desfez. Apenas ele. Apenas eu. Apenas nós.
— Não conheço nenhuma outra forma.
Não sinto minha boca se abrir, não sinto as palavras saírem, mas ali estão elas, flutuando no escuro.
Ele diz:
— Deixe-me mostrar.
E, então, estamos nos beijando. Ou, pelo menos, acho que estamos nos beijando — só vi beijos
algumas vezes, selinhos rápidos, com a boca fechada, em casamentos ou ocasiões formais. Mas isto não é
como nada que eu já tenha visto, imaginado ou sequer sonhado: isto é como música, ou dançar, mas
ainda melhor. A boca dele está ligeiramente aberta, então abro a minha também. Seus lábios são macios
e fazem a mesma pressão suave que a voz insistente em minha cabeça que não para de dizer sim.