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01- Delírio

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— Nunca fiquei com um menino... assim. Sem camisa. Não de perto.<br />

Ele começa a enrolar a camisa rasgada em minha perna cuidadosamente, apertando com força.<br />

— O cachorro mordeu você com vontade — diz ele. — Mas isto deve conter o sangramento.<br />

A frase conter o sangramento parece tão clínica e assustadora que me faz acordar e me concentrar. Alex<br />

termina a atadura improvisada. Agora a dor gritante em minha perna foi substituída por uma pressão<br />

difusa e pulsante.<br />

Alex levanta minha perna cuidadosamente e a coloca no chão.<br />

— Tudo bem? — pergunta ele, e eu faço que sim com a cabeça. Em seguida, ele se ajeita a meu lado<br />

e se apoia na parede como eu, de modo que ficamos sentados lado a lado, tocando nossos cotovelos.<br />

Posso sentir sua pele quente, e fico com calor. Fecho os olhos e tento não pensar em quão próximos<br />

estamos ou em como seria passar a mão nos ombros e no tórax dele.<br />

Do lado de fora, os ruídos da batida se tornam cada vez mais distantes, os gritos, mais escassos, as<br />

vozes, mais fracas. Os reguladores devem estar seguindo adiante.<br />

Rezo silenciosamente para que Hana tenha escapado; a possibilidade de que ela não tenha<br />

conseguido é terrível demais.<br />

Mesmo assim, Alex e eu não nos movemos. Estou tão cansada que é como se pudesse dormir para<br />

sempre. Minha casa parece impossivelmente distante, e não vejo como conseguirei voltar.<br />

Alex começa a falar rapidamente, sua voz uma onda baixa e urgente:<br />

— Ouça, Lena... O que aconteceu na praia, sinto muito. Eu deveria ter contado antes, mas não<br />

queria afugentar você.<br />

— Você não precisa se explicar — digo.<br />

— Mas eu quero explicar. Quero que saiba que não tive a intenção...<br />

— Ouça — interrompo-o —, não vou contar para ninguém, tudo bem? Não vou arrumar<br />

problemas para você nem nada do tipo.<br />

Ele para. Sinto-o se virar para me encarar, mas mantenho os olhos fixos na escuridão diante de nós.<br />

— Não me importo com isso — diz ele, ainda mais baixo. Mais uma pausa, e então: — Só não<br />

quero que você me odeie.<br />

Novamente o abrigo parece estar encolhendo, fechando-se ao redor de nós. Posso sentir seus olhos<br />

em mim como a pressão quente de um toque, mas tenho medo demais para olhar para ele. Tenho medo<br />

de me perder em seu olhar e me esquecer de tudo o que eu deveria dizer. Lá fora, o bosque está em<br />

silêncio. Os reguladores devem ter ido embora. Após um segundo, os grilos começam a cantar ao<br />

mesmo tempo, uma guizalhada rouca crescente.<br />

— Por que você se importa? — pergunto rapidamente.<br />

— Já disse — sussurra ele de volta. Posso sentir sua respiração roçando atrás de minha orelha,<br />

fazendo os cabelos em minha nuca se arrepiarem. — Eu gosto de você.<br />

— Você não me conhece — digo rapidamente.<br />

— Mas quero conhecer.<br />

O lugar está girando cada vez mais rápido. Encosto na parede, tentando me firmar, com uma<br />

sensação nauseante de movimento. É impossível: ele tem resposta para tudo. É rápido demais. Deve ser<br />

um truque. Apoio as mãos no chão úmido, encontrando conforto na solidez da madeira.<br />

— Por que eu? — Não quis perguntar, mas as palavras simplesmente saem. — Não sou ninguém...<br />

— Quero dizer Não sou ninguém especial, mas as palavras secam em minha boca. Imagino que essa deve<br />

ser a sensação de se chegar ao topo de uma montanha, onde o ar é tão rarefeito que você pode inalar,<br />

inalar, inalar e, ainda assim, achar que não consegue respirar.<br />

Alex não responde, e percebo que ele não tem uma resposta, exatamente como suspeitei — não há<br />

razão alguma. Ele me escolheu a esmo, como uma brincadeira ou porque sabia que eu ficaria assustada<br />

demais para denunciá-lo.

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