Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
— Nunca fiquei com um menino... assim. Sem camisa. Não de perto.<br />
Ele começa a enrolar a camisa rasgada em minha perna cuidadosamente, apertando com força.<br />
— O cachorro mordeu você com vontade — diz ele. — Mas isto deve conter o sangramento.<br />
A frase conter o sangramento parece tão clínica e assustadora que me faz acordar e me concentrar. Alex<br />
termina a atadura improvisada. Agora a dor gritante em minha perna foi substituída por uma pressão<br />
difusa e pulsante.<br />
Alex levanta minha perna cuidadosamente e a coloca no chão.<br />
— Tudo bem? — pergunta ele, e eu faço que sim com a cabeça. Em seguida, ele se ajeita a meu lado<br />
e se apoia na parede como eu, de modo que ficamos sentados lado a lado, tocando nossos cotovelos.<br />
Posso sentir sua pele quente, e fico com calor. Fecho os olhos e tento não pensar em quão próximos<br />
estamos ou em como seria passar a mão nos ombros e no tórax dele.<br />
Do lado de fora, os ruídos da batida se tornam cada vez mais distantes, os gritos, mais escassos, as<br />
vozes, mais fracas. Os reguladores devem estar seguindo adiante.<br />
Rezo silenciosamente para que Hana tenha escapado; a possibilidade de que ela não tenha<br />
conseguido é terrível demais.<br />
Mesmo assim, Alex e eu não nos movemos. Estou tão cansada que é como se pudesse dormir para<br />
sempre. Minha casa parece impossivelmente distante, e não vejo como conseguirei voltar.<br />
Alex começa a falar rapidamente, sua voz uma onda baixa e urgente:<br />
— Ouça, Lena... O que aconteceu na praia, sinto muito. Eu deveria ter contado antes, mas não<br />
queria afugentar você.<br />
— Você não precisa se explicar — digo.<br />
— Mas eu quero explicar. Quero que saiba que não tive a intenção...<br />
— Ouça — interrompo-o —, não vou contar para ninguém, tudo bem? Não vou arrumar<br />
problemas para você nem nada do tipo.<br />
Ele para. Sinto-o se virar para me encarar, mas mantenho os olhos fixos na escuridão diante de nós.<br />
— Não me importo com isso — diz ele, ainda mais baixo. Mais uma pausa, e então: — Só não<br />
quero que você me odeie.<br />
Novamente o abrigo parece estar encolhendo, fechando-se ao redor de nós. Posso sentir seus olhos<br />
em mim como a pressão quente de um toque, mas tenho medo demais para olhar para ele. Tenho medo<br />
de me perder em seu olhar e me esquecer de tudo o que eu deveria dizer. Lá fora, o bosque está em<br />
silêncio. Os reguladores devem ter ido embora. Após um segundo, os grilos começam a cantar ao<br />
mesmo tempo, uma guizalhada rouca crescente.<br />
— Por que você se importa? — pergunto rapidamente.<br />
— Já disse — sussurra ele de volta. Posso sentir sua respiração roçando atrás de minha orelha,<br />
fazendo os cabelos em minha nuca se arrepiarem. — Eu gosto de você.<br />
— Você não me conhece — digo rapidamente.<br />
— Mas quero conhecer.<br />
O lugar está girando cada vez mais rápido. Encosto na parede, tentando me firmar, com uma<br />
sensação nauseante de movimento. É impossível: ele tem resposta para tudo. É rápido demais. Deve ser<br />
um truque. Apoio as mãos no chão úmido, encontrando conforto na solidez da madeira.<br />
— Por que eu? — Não quis perguntar, mas as palavras simplesmente saem. — Não sou ninguém...<br />
— Quero dizer Não sou ninguém especial, mas as palavras secam em minha boca. Imagino que essa deve<br />
ser a sensação de se chegar ao topo de uma montanha, onde o ar é tão rarefeito que você pode inalar,<br />
inalar, inalar e, ainda assim, achar que não consegue respirar.<br />
Alex não responde, e percebo que ele não tem uma resposta, exatamente como suspeitei — não há<br />
razão alguma. Ele me escolheu a esmo, como uma brincadeira ou porque sabia que eu ficaria assustada<br />
demais para denunciá-lo.