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01- Delírio

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— Para cima — sussurra Alex, tão baixo e tão perto que é como se eu tivesse apenas imaginado, e,<br />

assim, ele me levanta e percebo que estou saindo por uma janela; sinto a madeira áspera do parapeito<br />

arranhar minhas costas e aterrisso com a perna boa na grama macia e úmida do lado de fora.<br />

Um segundo depois, Alex faz o mesmo silenciosamente, materializando-se a meu lado no escuro.<br />

Apesar de o ar estar quente, uma brisa começa a soprar, e ao senti-la em minha pele tenho vontade de<br />

chorar de gratidão e alívio.<br />

Mas não estamos seguros ainda — longe disso. A escuridão é mutável, incerta e cheia de fragmentos<br />

de luz: lanternas cortam o bosque à direita e à esquerda, e, naquele brilho, vejo figuras fugindo,<br />

iluminadas como fantasmas, paralisadas por um instante na claridade. Os gritos continuam, alguns a<br />

poucos metros de distância, outros tão distantes e desamparados que seria possível confundi-los com<br />

outra coisa — com corujas, talvez, piando pacificamente em suas árvores. Então Alex pega minha mão e<br />

estamos correndo de novo. Cada passo com meu pé direito é como uma chama, uma lâmina. Mordo o<br />

interior das bochechas para não gritar e sinto o gosto de sangue.<br />

Caos. Cenas saídas do inferno: luzes vindas da estrada, sombras caindo, ossos quebrando, vozes se<br />

estilhaçando e desaparecendo no silêncio.<br />

— Aqui dentro.<br />

Faço o que ele diz sem hesitar. Um pequeno abrigo de madeira apareceu milagrosamente na<br />

escuridão. Está caindo aos pedaços e tão coberto por musgo e plantas que, mesmo a distância de poucos<br />

metros, aparentava ser um emaranhado de arbustos e árvores. Preciso me inclinar para entrar, e ao fazêlo<br />

o cheiro de urina de animal e de cachorro molhado é tão forte que quase engasgo. Alex entra depois<br />

de mim e fecha a porta. Ouço um ruído e vejo-o se ajoelhando, colocando um cobertor no espaço entre<br />

a porta e o chão. O cobertor deve ser a fonte do cheiro. É absolutamente fedido.<br />

— Meu Deus — sussurro, é a primeira vez que falo com ele, cobrindo a boca e o nariz com as mãos.<br />

— Assim os cachorros não sentirão nosso cheiro — sussurra ele, confiante.<br />

Nunca conheci alguém tão calmo em minha vida. Penso rapidamente que, talvez, as histórias que<br />

ouvi quando era pequena fossem verdadeiras — talvez os Inválidos sejam realmente monstros,<br />

aberrações.<br />

Então me sinto envergonhada. Ele acabou de salvar minha vida.<br />

Ele salvou minha vida — dos reguladores. Das pessoas que deveriam nos proteger e nos manter<br />

seguros. Das pessoas que deveriam nos proteger de pessoas como Alex.<br />

Nada mais faz sentido. Minha cabeça está girando, e eu me sinto tonta. Tropeço, esbarrando na<br />

parede atrás de mim, e Alex me alcança para me segurar.<br />

— Sente-se — diz ele com a mesma voz autoritária que tem usado o tempo todo. É reconfortante<br />

ouvir suas ordens baixas e decididas, e relaxar. Abaixo-me até o chão. O piso é úmido e duro. A lua deve<br />

ter surgido entre as nuvens; buracos nas paredes e no telhado permitem a entrada de pequenos pontos<br />

de luz prateada. Consigo identificar algumas prateleiras atrás da cabeça de Alex e um conjunto de latas<br />

— tinta, talvez — empilhadas em um canto. Agora que Alex e eu estamos sentados, mal sobra espaço<br />

para nos mexermos, a estrutura inteira tem um espaço bem reduzido.<br />

— Vou dar uma olhada em sua perna agora, tudo bem? — Ele continua sussurrando. Concordo<br />

com a cabeça. Mesmo quando estou sentada, a tonteira não passa.<br />

Ele se senta apoiado nos calcanhares e coloca minha perna em seu colo. É só quando ele começa a<br />

levantar a perna da calça que sinto como o tecido está molhado. Devo estar sangrando. Mordo o lábio e<br />

encosto a cabeça com força na parede, esperando que o toque dele seja doloroso, mas a sensação de suas<br />

mãos em minha pele — frias e fortes — de alguma forma suaviza tudo, passando pela dor como um<br />

eclipse encobrindo a lua.<br />

Quando a calça está enrolada até o joelho, ele me inclina levemente para ver minha panturrilha.<br />

Apoio um cotovelo no chão, sentindo o cômodo balançar. Devo estar sangrando muito.

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