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Televisão - Entre a Metodologia Analítica e o Contexto Cultural

Este livro tem sua origem no anseio de enfrentar uma dificuldade central para os Estudos de Televisão: como associar a metodologia analítica dos produtos televisivos com o conhecimento de aspectos contextuais? Análise e síntese – a combinação desses dois procedimentos cognitivos nunca é tão fácil quanto parece. Mais difícil ainda configura-se no caso dos Estudos de Televisão.

Este livro tem sua origem no anseio de enfrentar uma dificuldade central para os Estudos de Televisão: como associar a metodologia analítica dos produtos televisivos com o conhecimento de aspectos contextuais? Análise e síntese – a combinação desses dois procedimentos cognitivos nunca é tão fácil quanto parece. Mais difícil ainda configura-se no caso dos Estudos de Televisão.

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foram se incorporando a uma linguagem verbal menos explícita, de<br />

modo a traduzir o audiovisual como literatura. Como bem explica Steven<br />

Price:<br />

O roteiro pode descrever uma locação ou personagem em termos<br />

literários que aparentemente excedam ou não possam ser representados<br />

na linguagem fílmica, mas a linguagem verbal pode levar a imaginação<br />

do diretor a fornecer uma imagem, um clima ou uma textura correlativa<br />

(PRICE, 2010: 117). 55<br />

Em outras palavras, o estilo do roteiro, por mais que requeira<br />

objetividade, clareza e precisão descritiva, muitas vezes recorre a outros<br />

artifícios para representar a sua proposta audiovisual. A descrição<br />

dos ambientes, com os seus detalhes de arquitetura e decoração, e a<br />

caracterização dos personagens, física e psicológica, também funcionam<br />

como um importante elemento de construção do mundo ficcional,<br />

indicando as cores, os sons, os gestos, os corpos em que os sujeitos na<br />

cena devem se presentificar. No caso especifico do roteiro de Mad Men,<br />

é nessa descrição que podemos ver também, de modo mais efetivo,<br />

como se constituem as relações de raça, gênero e poder institucional<br />

que a série encenaria nos anos seguintes, do episódio piloto ao series<br />

finale.<br />

A sequência que estamos analisando, portanto, é crucial para definir<br />

essas relações. O ascensorista do prédio é caracterizado, na cena 9, como<br />

um “homem negro de meia-idade”. Em seguida, “três jovens executivos,<br />

KEN, DICK e HARRY, vestindo ternos aparentemente idênticos, tiram os<br />

seus chapéus e se postam no fundo do elevador lotado” (WEINER, 2006b:<br />

7). Aqui já temos relações sociais que se inscrevem na caracterização<br />

dos personagens. Ou seja, a descrição do ascensorista como um homem<br />

negro e a ausência de marcas raciais nos três executivos faz a gente<br />

subsumir, pelo período histórico em que se passa a série, que Ken, Dick<br />

e Harry são brancos. Essa omissão é uma maneira de inserir no subtexto,<br />

nas camadas mais fundas da escrita, a ordem social que impera entre os<br />

indivíduos.<br />

55<br />

Original em inglês: “the script may describe a setting or character in literary terms that apparently exceed or<br />

cannot be resolved into the language of film, but the verbal language may prompt the director’s imagination into<br />

providing a correlative image, mood, or texture”.<br />

86

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