Televisão - Entre a Metodologia Analítica e o Contexto Cultural
Este livro tem sua origem no anseio de enfrentar uma dificuldade central para os Estudos de Televisão: como associar a metodologia analítica dos produtos televisivos com o conhecimento de aspectos contextuais? Análise e síntese – a combinação desses dois procedimentos cognitivos nunca é tão fácil quanto parece. Mais difícil ainda configura-se no caso dos Estudos de Televisão.
Este livro tem sua origem no anseio de enfrentar uma dificuldade central para os Estudos de Televisão: como associar a metodologia analítica dos produtos televisivos com o conhecimento de aspectos contextuais? Análise e síntese – a combinação desses dois procedimentos cognitivos nunca é tão fácil quanto parece. Mais difícil ainda configura-se no caso dos Estudos de Televisão.
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primeiro ato, em que acompanhamos os três personagens cujos arcos<br />
particulares montam a estrutura do episódio piloto: Don Draper, Pete<br />
Campbell e Peggy Olson. A sequência os acompanha no início de um<br />
dia aparentemente ordinário de trabalho: Don está preocupado com a<br />
campanha da Lucky Strike, Pete se prepara para a sua despedida de<br />
solteiro e Peggy segue o seu primeiro dia na agência como secretária de<br />
Don. A sequência é composta por seis cenas, que ocorrem em um fluxo<br />
de ações que atravessa diferentes espaços – desde a entrada do prédio,<br />
passando pelo elevador, pelos corredores do escritório e pelas salas de<br />
Pete e Don. Um primor de organização da narrativa, de apresentação<br />
dos personagens, dos espaços e dos problemas dramáticos que a série,<br />
em larga medida, enfrentaria pelos próximos oito anos. Assim começa a<br />
sequência, na cena 8:<br />
EXT. ARRANHA-CÉU EM MANHATTAN - DIA<br />
Do alto, vemos um prédio elegante, moderno, todo de vidro. Embaixo,<br />
os chapéus sobre as cabeças dos homens pululam como formigas<br />
atravessando portas-giratórias (WEINER, 2006b: 07). 54<br />
A primeira singularidade que nos interessa aqui é o uso do símile,<br />
uma figura de linguagem pouco indicada para a escrita do roteiro tal<br />
como apregoam os manuais mais famosos. Como coloca Robert McKee<br />
(2006: 368): “Pobre do roteirista, ele não pode ser poeta. Ele não pode<br />
usar metáfora e símile, assonância e aliteração, ritmo e rima, sinédoque<br />
e metonímia, hipérbole e mesóclise, os grandes tropos”. No entanto, essa<br />
cena, que funciona como o que Madeline Dimaggio (2008: 28) chama de<br />
establishing scene – ou seja, a cena que estabelece o espaço da ação –, usa<br />
a imagem de um enxame de formigas para representar, via comparação,<br />
a chegada ao trabalho de uma horda de homens e mulheres pela manhã.<br />
Se lermos o roteiro de modo objetivo, talvez haja a necessidade de<br />
transformar a indicação comparativa no roteiro em uma montagem por<br />
correspondência: um plano de formigas desordenadas se chocando e,<br />
em seguida, outro plano de Nova Iorque, com a sua população apressada<br />
correndo para chegar ao serviço.<br />
54<br />
Original em inglês: “8 EXT. TOWERING MANHATTAN SKYSCRAPER - MORNING From the air, we see an elegant<br />
modern glass building. Below, the hats on the tops of men’s heads swarm like ants through revolving doors”.<br />
Tradução nossa. As referências seguintes serão todas, portanto, por nós traduzidas.<br />
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