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Televisão - Entre a Metodologia Analítica e o Contexto Cultural

Este livro tem sua origem no anseio de enfrentar uma dificuldade central para os Estudos de Televisão: como associar a metodologia analítica dos produtos televisivos com o conhecimento de aspectos contextuais? Análise e síntese – a combinação desses dois procedimentos cognitivos nunca é tão fácil quanto parece. Mais difícil ainda configura-se no caso dos Estudos de Televisão.

Este livro tem sua origem no anseio de enfrentar uma dificuldade central para os Estudos de Televisão: como associar a metodologia analítica dos produtos televisivos com o conhecimento de aspectos contextuais? Análise e síntese – a combinação desses dois procedimentos cognitivos nunca é tão fácil quanto parece. Mais difícil ainda configura-se no caso dos Estudos de Televisão.

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Nossa hipótese, em suma, é de que, em cada um desses níveis – e nos<br />

três simultaneamente –, o roteiro do piloto de Mad Men consegue edificar<br />

um sólido alicerce para a série, cujos noventa e dois episódios seguintes<br />

tentarão replicar. Ou seja, a fumaça que embaça a vista – Smoke gets in<br />

your eyes, como no título do piloto – é o único canal possível de entrar no<br />

programa, seja pela chuva que cai na estrada e esfumaça o para-brisas de<br />

um Buick 1958 verde-musgo, seja pela identidade confusa de Don Draper,<br />

a um só tempo um brilhante diretor de criação e um sobrevivente de<br />

guerra que roubara o nome de seu antigo superior, ou um pai devotado<br />

a sua família de subúrbio e um sex addict inveterado, justo e cruel, bemsucedido<br />

e miserável, dono do mundo e filho de uma puta.<br />

Para pensar o primeiro nível, o linguístico, devemos prestar atenção<br />

ao modo como se constroem as cenas no roteiro, mais detidamente,<br />

a própria escrita e sua utilização particular da linguagem verbal. De<br />

antemão, é importante dizer que o modelo de roteiro utilizado nas séries<br />

televisivas nos Estados Unidos é bastante codificado – escrito em softwares<br />

de edição no modelo master scenes –, tendo em vista a sua função dentro<br />

de um modelo industrial por excelência. Por isso, devemos sempre<br />

pensar no roteiro em sua relação com a cultura institucional em que está<br />

inserido, já que, além de passar por diversas etapas de configuração e<br />

reconfiguração (por produtores, diretores e mesmo outros roteiristas que<br />

produzem diferentes tratamentos no material), o roteiro carrega em si, na<br />

sua formatação, as marcas discursivas da estrutura organizacional dentro<br />

da qual é gerido.<br />

Portanto, a linguagem do roteiro pode ser compreendida como uma<br />

tentativa de equilibrar a sua formatação excessivamente codificada e o uso<br />

de uma linguagem verbal que descreva, narre e represente, através de um<br />

texto literário, uma encenação audiovisual que se performatiza em imagens<br />

e sons que as palavras, no roteiro, buscam traduzir. É aí, precisamente, que<br />

concebemos o roteiro como um produto intermidiático por excelência.<br />

Sua escrita é verbal, mas também é audiovisual. Como em uma equação<br />

quântica, matéria e energia parecem aqui perfazer o mesmo caminho de<br />

indeterminação característico do modelo intermidiático do roteiro.<br />

No caso de Mad Men, vamos apontar um momento específico em<br />

que a linguagem do roteiro busca colidir, tensionar ou mesmo implodir<br />

os limites que separam as mídias. Trata-se de uma sequência no<br />

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