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Televisão - Entre a Metodologia Analítica e o Contexto Cultural

Este livro tem sua origem no anseio de enfrentar uma dificuldade central para os Estudos de Televisão: como associar a metodologia analítica dos produtos televisivos com o conhecimento de aspectos contextuais? Análise e síntese – a combinação desses dois procedimentos cognitivos nunca é tão fácil quanto parece. Mais difícil ainda configura-se no caso dos Estudos de Televisão.

Este livro tem sua origem no anseio de enfrentar uma dificuldade central para os Estudos de Televisão: como associar a metodologia analítica dos produtos televisivos com o conhecimento de aspectos contextuais? Análise e síntese – a combinação desses dois procedimentos cognitivos nunca é tão fácil quanto parece. Mais difícil ainda configura-se no caso dos Estudos de Televisão.

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e ao exagero, em outras palavras, ao realismo maravilhoso entendido<br />

enquanto uma matriz estético-cultural definida por dimensões de ordem<br />

etimológica, lexical, literária e histórica que o legitima como identificador<br />

da cultura latino-americana.<br />

Diante disso, este capítulo tem como objetivo evidenciar as referências<br />

a essa matriz adotadas por vários autores para inserir em suas narrativas<br />

eventos da ordem do insólito e do estranhamento a fim de criar metáforas,<br />

gerar encantamento e despertar o interesse do espectador. Afinal, a partir<br />

de que, por que e como estão falando?<br />

Um exemplo inicial de como o realismo maravilhoso se fez presente<br />

na televisão aconteceu na telenovela O Bem Amado (1973) escrita por Dias<br />

Gomes. A história se passou na cidade fictícia de Sucupira, onde o pescador<br />

Zelão, depois de se salvar do mar revolto que quase o matou, fez à Iemanjá<br />

a promessa de que construiria um par de asas para voar pela cidade a partir<br />

da torre da matriz. Mesmo sendo dispensando pelo padre de cumpri-la,<br />

por tê-la feito a uma entidade do candomblé, Zelão – ao acreditar ter tido<br />

uma visão de Iemanjá – não quis voltar atrás; afinal, isso poderia custar<br />

a sua vida. Na última cena, a personagem cumpriu o prometido. Quando<br />

Tião Moleza anuncia que Zelão vai tentar voar outra vez, os moradores<br />

saíram correndo, aglomeraram-se em frente à Igreja, olharam para o alto e<br />

constataram, espantados, o homem prestes a saltar. Antes do feito, o narrador<br />

explicou que “Zelão fez o sinal da cruz, pediu proteção ao Pai Oxalá, a<br />

Bom Jesus dos Navegantes e a todos os orixás. E então, abriu as asas e<br />

saltou”. Nesse momento a imagem foi congelada em um plano conjunto dos<br />

moradores a olhar sem acreditar no que estava prestes a acontecer. A imagem<br />

recebeu uma coloração em tom sépia de modo a criar uma suspensão e um<br />

distanciamento da realidade do espaço-tempo da narrativa, e a voiceover do<br />

narrador nos disse que, dali em diante, “o que se passa é de ouvir contar e<br />

quem não acredita é um homem sem fé”.<br />

O voo pode ser interpretado como uma metáfora de liberdade e de<br />

luta. Zelão persistiu a trama inteira para realizar seu prometido. Sua luta<br />

foi pela liberdade de escolha religiosa, estabelecendo, assim, um diálogo<br />

com o sincretismo religioso, tão característico da América Latina mestiça<br />

e plural. Esse contexto dotou de sentido o fato de Zelão ter feito sua<br />

promessa na intenção de Iemanjá e querer cumpri-la na torre de uma<br />

Igreja Católica.<br />

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