Freud
96/225 VI. A COMUNICAÇÃO ENTRE OS DOIS SISTEMAS Seria errado imaginar que o Ics permanece em repouso enquanto o trabalho psíquico é realizado pelo Pcs, que o Ics é algo acabado, um órgão rudimentar, um resíduo do desenvolvimento. Ou supor que a comunicação entre os dois sistemas se restringe ao ato da repressão, em que o Pcs lança ao abismo do Ics tudo o que lhe parece perturbador. O Ics é, isto sim, algo vivo e capaz de desenvolvimento, e mantém bom número de outras relações com o Pcs, entre elas também a de cooperação. É preciso dizer, em suma, que o Ics continua nos assim chamados “derivados”, que é suscetível aos influxos da vida, influencia constantemente o Pcs e até se acha sujeito, por sua vez, a influências por parte do Pcs. O estudo dos derivados do Ics irá decepcionar profundamente nossa expectativa de uma divisão pura e esquemática entre os dois sistemas psíquicos. Certamente isso despertará insatisfação com nossos resultados, e provavelmente será usado para questionar o modo como separamos os processos psíquicos. Mas alegaremos que a nossa tarefa consiste em transpor para a teoria os resultados da observação, e que não temos a obrigação de alcançar, já de início, uma teoria bastante polida e recomendável em sua simplicidade. Nós defendemos as suas complicações, na medida em que correspondem à observação, e não perdemos a esperança de justamente por meio delas chegar enfim ao conhecimento de um estado de coisas * que, embora simples em si, possa fazer justiça às complicações da realidade. Entre os derivados dos impulsos instintuais ics do tipo que descrevemos, há alguns que reúnem em si características opostas. Por um lado, são altamente organizados, isentos de contradição, utilizaram todas as aquisições do sistema
Cs e mal se distinguiriam, em nosso julgamento, das formações desse sistema. Por outro lado, são inconscientes e incapazes de tornar-se conscientes. Ou seja, pertencem qualitativamente ao sistema Pcs, mas factualmente ao Ics. Sua procedência é determinante para seu destino. Devemos compará-los aos mestiços das raças humanas, que no geral semelham os brancos, mas denunciam a origem de cor em algum traço notável e por isso são excluídos da sociedade, não desfrutando os privilégios dos brancos. Dessa natureza são as fantasias dos normais e dos neuróticos, que reconhecemos como estágios preliminares da formação dos sonhos e dos sintomas e que, apesar de sua alta organização, permanecem reprimidas e, como tais, não podem se tornar conscientes. Chegam perto da consciência, não são incomodadas enquanto não possuem um investimento intenso, mas são rejeitadas assim que ultrapassam um certo grau de investimento. Derivados do Ics assim altamente organizados são também as formações substitutivas, mas elas conseguem penetrar na consciência devido a uma circunstância favorável como, por exemplo, a união a um contrainvestimento do Pcs. Quando investigarmos mais detidamente, em outro lugar, * as condições para o tornar-se consciente, poderemos solucionar uma parte das dificuldades que aqui surgem. No momento seria útil contrapor, à abordagem desde o Ics até aqui adotada, uma outra, a partir da consciência. Para a consciência, a inteira soma dos processos psíquicos aparece como o reino do pré-consciente. Uma parte enorme desse pré-consciente se origina do inconsciente, tem o caráter dos derivados deste e submete-se a uma censura antes de poder se tornar consciente. Uma outra parte do Pcs é capaz de consciência, sem censura. Aqui temos uma contradição com uma hipótese anterior. Na abordagem da repressão, vimo-nos obrigados a situar entre os sistemas Ics e Pcs a censura decisiva no tornar-se consciente. Agora nos parece plausível uma censura entre Pcs e Cs. Mas convém não enxergar nessa complicação uma dificuldade, e supor, isto sim, que a cada passagem de um sistema para o seguinte e mais elevado, ou seja, a cada progresso para um estágio mais elevado de organização 97/225
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Por outro lado, são inconscientes e incapazes de tornar-se conscientes. Ou<br />
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procedência é determinante para seu destino. Devemos compará-los aos<br />
mestiços das raças humanas, que no geral semelham os brancos, mas denunciam<br />
a origem de cor em algum traço notável e por isso são excluídos da sociedade,<br />
não desfrutando os privilégios dos brancos. Dessa natureza são as<br />
fantasias dos normais e dos neuróticos, que reconhecemos como estágios preliminares<br />
da formação dos sonhos e dos sintomas e que, apesar de sua alta organização,<br />
permanecem reprimidas e, como tais, não podem se tornar conscientes.<br />
Chegam perto da consciência, não são incomodadas enquanto não<br />
possuem um investimento intenso, mas são rejeitadas assim que ultrapassam<br />
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são também as formações substitutivas, mas elas conseguem penetrar na consciência<br />
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até aqui adotada, uma outra, a partir da consciência. Para a consciência, a inteira<br />
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Aqui temos uma contradição com uma hipótese anterior. Na abordagem da<br />
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