Freud
é o substituto para o narcisismo perdido da infância, na qual ele era seu próprio ideal. Isso nos leva a indagar sobre as relações entre a formação de ideal e a sublimação. A sublimação é um processo atinente à libido objetal e consiste em que o instinto se lança a outra meta, distante da satisfação sexual; a ênfase recai no afastamento ante o que é sexual. A idealização é um processo envolvendo o objeto, mediante o qual este é aumentado e psiquicamente elevado sem que haja transformação de sua natureza. A idealização é possível no âmbito da libido do Eu e no da libido objetal. De modo que a superestimação sexual do objeto, por exemplo, é uma idealização dele. Na medida, portanto, em que a sublimação descreve algo que sucede ao instinto, e a idealização, algo que diz respeito ao objeto, devemos separá-las conceitualmente. A formação do ideal do Eu é frequentemente confundida, em prejuízo da compreensão, com a sublimação do instinto. Haver trocado seu narcisismo pela veneração de um elevado ideal do Eu não implica ter alcançado a sublimação de seus instintos libidinais. É certo que o ideal do Eu requer tal sublimação, mas não pode forçá-la; a sublimação continua sendo um processo particular, cuja iniciação pode ser instigada pelo ideal, mas cuja execução permanece independente da instigação. Precisamente nos neuróticos encontramos as maiores diferenças de tensão entre o desenvolvimento do ideal do Eu e o grau de sublimação de seus primitivos instintos libidinais, e em geral é bem mais difícil convencer os idealistas do que os homens simples, modestos em suas pretensões, acerca do inadequado paradeiro de sua libido. A formação de ideal e a sublimação também se relacionam diferentemente à causação da neurose. Como vimos, a formação de ideal aumenta as exigências do Eu e é o que mais favorece a repressão; a sublimação representa a saída para cumprir a exigência sem ocasionar a repressão. Não seria de admirar se encontrássemos uma instância psíquica especial, que cumprisse a tarefa de assegurar a satisfação narcísica a partir do ideal do Eu e que, com esse propósito, observasse continuamente o Eu atual, medindo- 28/225
o pelo ideal. Havendo uma tal instância, será impossível para nós descobri-la; poderemos apenas identificá-la e constatar que o que chamamos de nossa consciência moral tem essas características. O reconhecimento dessa instância nos torna possível compreender o que chamam delírio de ser notado ou, mais corretamente, observado, que surge de maneira tão clara na sintomatologia das doenças paranoides, podendo sobrevir também como doença isolada, ou entremeada na neurose de transferência. Os doentes se queixam então de que todos os seus pensamentos são conhecidos, todas as suas ações notadas e vigiadas; há vozes que os informam do funcionamento dessa instância, falando-lhes caracteristicamente na terceira pessoa (“Agora ela pensa novamente nisso; agora ele vai embora”). Essa queixa é justificada, ela descreve a verdade; um tal poder, que observa todos os nossos propósitos, inteirando-se deles e os criticando, existe realmente, e existe em todos nós na vida normal. O delírio de ser notado a apresenta em forma regressiva, e nisso revela a sua gênese e o motivo pelo qual o enfermo se revolta contra ela. Pois a incitação a formar o ideal do Eu, cuja tutela foi confiada à consciência moral, partiu da influência crítica dos pais intermediada pela voz, aos quais se juntaram no curso do tempo os educadores, instrutores e, como uma hoste inumerável e indefinível, todas as demais pessoas do meio (o próximo, a opinião pública). Grandes quantidades de libido essencialmente homossexual foram assim carreadas para a formação do ideal narcísico do Eu, e acham vazão e satisfação em conservá-lo. A instituição da consciência moral foi, no fundo, uma corporificação inicialmente da crítica dos pais, depois da crítica da sociedade, processo que é repetido quando nasce uma tendência à repressão a partir de uma proibição ou um obstáculo primeiramente externos. As vozes e a multidão indefinida são trazidas à luz pela doença, a evolução da consciência moral se reproduz regressivamente. Mas a revolta contra essa instância censória vem de que a pessoa, consoante o caráter fundamental da doença, quer se livrar de todas essas influências, começando pela dos pais, e retira deles a libido 29/225
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é o substituto para o narcisismo perdido da infância, na qual ele era seu próprio<br />
ideal.<br />
Isso nos leva a indagar sobre as relações entre a formação de ideal e a sublimação.<br />
A sublimação é um processo atinente à libido objetal e consiste em<br />
que o instinto se lança a outra meta, distante da satisfação sexual; a ênfase recai<br />
no afastamento ante o que é sexual. A idealização é um processo envolvendo o<br />
objeto, mediante o qual este é aumentado e psiquicamente elevado sem que<br />
haja transformação de sua natureza. A idealização é possível no âmbito da libido<br />
do Eu e no da libido objetal. De modo que a superestimação sexual do<br />
objeto, por exemplo, é uma idealização dele. Na medida, portanto, em que a<br />
sublimação descreve algo que sucede ao instinto, e a idealização, algo que diz<br />
respeito ao objeto, devemos separá-las conceitualmente.<br />
A formação do ideal do Eu é frequentemente confundida, em prejuízo da<br />
compreensão, com a sublimação do instinto. Haver trocado seu narcisismo<br />
pela veneração de um elevado ideal do Eu não implica ter alcançado a sublimação<br />
de seus instintos libidinais. É certo que o ideal do Eu requer tal sublimação,<br />
mas não pode forçá-la; a sublimação continua sendo um processo particular,<br />
cuja iniciação pode ser instigada pelo ideal, mas cuja execução permanece<br />
independente da instigação. Precisamente nos neuróticos encontramos as<br />
maiores diferenças de tensão entre o desenvolvimento do ideal do Eu e o grau<br />
de sublimação de seus primitivos instintos libidinais, e em geral é bem mais difícil<br />
convencer os idealistas do que os homens simples, modestos em suas pretensões,<br />
acerca do inadequado paradeiro de sua libido. A formação de ideal e a<br />
sublimação também se relacionam diferentemente à causação da neurose.<br />
Como vimos, a formação de ideal aumenta as exigências do Eu e é o que mais<br />
favorece a repressão; a sublimação representa a saída para cumprir a exigência<br />
sem ocasionar a repressão.<br />
Não seria de admirar se encontrássemos uma instância psíquica especial,<br />
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Eu e que, com esse propósito, observasse continuamente o Eu atual, medindo-<br />
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