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Freud

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Quem nos acompanhou até aqui não deixará de fazer uma objeção que<br />

talvez justifique alguma dúvida. A primeira rejeição de Rosmer por Rebecca se<br />

dá antes da segunda visita de Kroll, antes que se revele o seu nascimento ilegítimo,<br />

portanto, e quando ela ainda não sabe do incesto — se entendemos corretamente<br />

o autor. Essa rejeição, porém, é séria e enérgica. A consciência de<br />

culpa, que a manda renunciar ao ganho proveniente de seus atos, já produz<br />

efeito antes que ela saiba do seu crime principal, e, se concedemos isto, talvez o<br />

incesto deva ser excluído, como fonte da consciência de culpa.<br />

Até agora tratamos Rebecca West como uma pessoa viva, e não um<br />

produto da imaginação do escritor Ibsen, guiada por uma inteligência bastante<br />

crítica. É lícito mantermos a mesma perspectiva, ao lidar com tal objeção. Esta<br />

é válida, um quê de consciência já havia despertado em Rebecca antes de ela<br />

inteirar-se do incesto. Nada impede que tornemos responsável por essa<br />

mudança a influência reconhecida e acusada pela própria Rebecca. Mas isso<br />

não nos livra de reconhecermos o segundo motivo. A conduta de Rebecca ao<br />

ouvir a informação do reitor, sua imediata reação a ela, confessando, não deixa<br />

dúvida de que só então produz efeito o motivo mais forte e decisivo para a<br />

renúncia. É justamente um caso de motivação múltipla, em que, por trás de um<br />

motivo superficial, vem à luz um outro mais profundo. As regras da economia<br />

poética impunham configurar desse modo o caso, pois o motivo mais profundo<br />

não devia ser enunciado abertamente, tinha de permanecer coberto, subtraído<br />

à cômoda percepção do espectador teatral ou do leitor; de outra forma teriam<br />

surgido sérias resistências neste, baseadas em sentimentos muito penosos, que<br />

poderiam colocar em perigo o efeito do drama.<br />

Mas bem podemos exigir que o motivo explicitado não seja desprovido de<br />

relação interior com aquele por ele ocultado, mas demonstre ser abrandamento<br />

e derivação dele. E, sendo lícito crer que a combinação criadora consciente do<br />

artista resulta coerentemente de premissas inconscientes, podemos fazer a tentativa<br />

de mostrar que ele satisfez tal exigência. A consciência de culpa de Rebecca<br />

tem sua fonte na recriminação do incesto, já antes de o reitor, com

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