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Freud

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destino posterior e da evolução de seu caráter. No entanto, ali a transformação<br />

de Macbeth em tirano sanguinário parece ter motivos semelhantes aos que<br />

sugerimos. Pois em Holinshed se passam, entre o assassinato de Duncan, pelo<br />

qual Macbeth se torna rei, e seus malfeitos posteriores, dez anos, durante os<br />

quais ele se mostra um governante severo, porém justo. Apenas depois desse<br />

tempo surge nele a transformação, por influência do martirizante temor de que<br />

a profecia feita a Banquo se cumpra, como vem se realizando aquela do seu<br />

próprio destino. Só então ele mata Banquo e, como em Shakespeare, é arrastado<br />

de um crime a outro. Tampouco em Holinshed se diz expressamente<br />

que o fato de ele não ter filhos o impele por esse caminho, mas há tempo e espaço<br />

bastantes para essa motivação plausível. Sucede de outro modo em<br />

Shakespeare. Os eventos se precipitam com uma rapidez de tirar o fôlego, de<br />

sorte que, por meio de indicações dos personagens, calcula-se em uma semana<br />

a duração do enredo. 2 Essa aceleração retira a base de todas as nossas construções<br />

sobre os motivos da reviravolta no caráter de Macbeth e de sua esposa.<br />

Não há tempo para que a contínua desilusão da expectativa de filhos<br />

possa abater a mulher e arrastar o homem a uma fúria incontida, e permanece a<br />

contradição de que tantos nexos sutis no interior da peça, e entre ela e o ensejo<br />

que lhe deu origem, tendem a convergir no tema da infecundidade, enquanto a<br />

economia temporal da tragédia afasta expressamente uma evolução dos caracteres<br />

por motivos outros que não os mais íntimos.<br />

Mas quais seriam esses motivos, que em tão breve tempo tornam o vacilante<br />

ambicioso em um desenfreado tirano e a sua instigadora de nervos de aço<br />

em uma doente contrita e arrependida, não me parece possível descobrir. É<br />

minha opinião que devemos desistir de penetrar a tripla camada obscura em<br />

que resultaram a má conservação do texto, a desconhecida intenção do poeta e<br />

o oculto sentido da lenda. Tampouco seria válido, creio, objetar que tais<br />

pesquisas são ociosas, em vista do extraordinário efeito que a tragédia exerce<br />

no espectador. O poeta bem pode nos dominar com sua arte no decorrer da<br />

representação e nos embotar o pensamento, mas não pode nos impedir de

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