Freud
198/225 transformam a fantasia até então menosprezada e tolerada num adversário temido, enquanto nos nossos casos o sinal para a irrupção do conflito é dado por uma real mudança exterior. O trabalho analítico nos mostra, com facilidade, que são forças da consciência que impedem o indivíduo de retirar, da feliz modificação real, o proveito longamente ansiado. Mas é tarefa difícil averiguar a natureza e a origem dessas tendências julgadoras e punitivas, que nos espantam com sua existência, ali onde não esperávamos encontrá-las. Por razões já conhecidas, não pretendo discutir o que sabemos ou conjecturamos a respeito disso mediante casos da observação médica, mas com personagens inventados por grandes escritores a partir da abundância de seu conhecimento da alma. Uma pessoa que entra em colapso ao alcançar o êxito, depois de tê-lo buscado com imperturbável energia, é lady Macbeth, de Shakespeare. Nela não se vê, antes, nenhuma hesitação ou sinal de luta interior, nenhum empenho senão o de vencer os escrúpulos de um marido ambicioso, mas de sentimentos brandos. Até sua feminilidade ela se dispõe a sacrificar ao desígnio de assassinato, sem refletir no papel decisivo que deverá ter essa feminilidade, quando chegar o momento de preservar o objetivo de sua ambição, alcançado mediante um crime. (Ato i, cena 5): Vinde, espíritos sinistros Que servis aos desígnios assassinos! Dessexuai-me [...] [...] [Vinde a meus seios de mulher E tornai o meu leite em fel], ó ministros do assassínio (Ato i, cena 7): Bem conheço As delícias de amar um tenro filho
199/225 Que se amamenta: embora! eu lhe arrancara Às gengivas sem dente, ainda quando Vendo-o sorrir para mim, o bico De meu seio, e faria sem piedade Saltarem-lhe os miolos, se tivesse Jurado assim fazer, como juraste Cumprir esta empreitada. * Antes do ato ela é assaltada por um único, ligeiro movimento de relutância: (Ato ii, cena 2): Se no seu sono não lembrasse tanto Meu pai, tê-lo-ia eu mesma apunhalado! Tendo se tornado rainha com o assassínio de Duncan, por um instante há como que um desapontamento, um enfado. Não sabemos por quê. (Ato iii, cena 2): Tudo perdemos quando o que queríamos, Obtemos sem nenhum contentamento: Mais vale ser a vítima destruída Do que, por a destruir, destruir com ela O gosto de viver. Mas ela persiste. Na cena do banquete, após essas palavras, apenas ela se mantém controlada, esconde o desvario de seu esposo e acha um pretexto para despedir os hóspedes. Então desaparece de nossa vista. Tornamos a vê-la (na primeira cena do quinto ato) sonâmbula, apegada firmemente às impressões da noite do crime. Ela encoraja novamente seu marido, como naquela noite:
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transformam a fantasia até então menosprezada e tolerada num adversário<br />
temido, enquanto nos nossos casos o sinal para a irrupção do conflito é dado<br />
por uma real mudança exterior.<br />
O trabalho analítico nos mostra, com facilidade, que são forças da consciência<br />
que impedem o indivíduo de retirar, da feliz modificação real, o proveito<br />
longamente ansiado. Mas é tarefa difícil averiguar a natureza e a origem dessas<br />
tendências julgadoras e punitivas, que nos espantam com sua existência, ali<br />
onde não esperávamos encontrá-las. Por razões já conhecidas, não pretendo<br />
discutir o que sabemos ou conjecturamos a respeito disso mediante casos da<br />
observação médica, mas com personagens inventados por grandes escritores a<br />
partir da abundância de seu conhecimento da alma.<br />
Uma pessoa que entra em colapso ao alcançar o êxito, depois de tê-lo buscado<br />
com imperturbável energia, é lady Macbeth, de Shakespeare. Nela não se<br />
vê, antes, nenhuma hesitação ou sinal de luta interior, nenhum empenho senão<br />
o de vencer os escrúpulos de um marido ambicioso, mas de sentimentos<br />
brandos. Até sua feminilidade ela se dispõe a sacrificar ao desígnio de assassinato,<br />
sem refletir no papel decisivo que deverá ter essa feminilidade, quando<br />
chegar o momento de preservar o objetivo de sua ambição, alcançado mediante<br />
um crime.<br />
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Vinde, espíritos sinistros<br />
Que servis aos desígnios assassinos!<br />
Dessexuai-me [...]<br />
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