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que nós mesmos poderíamos ser como Ricardo, e até que já o somos, em<br />
pequena escala. Ele é uma gigantesca ampliação de um aspecto que achamos<br />
também em nós. Todos nós cremos ter motivo para nos irritar com a natureza<br />
e o destino por desvantagens congênitas e infantis; todos exigimos reparação<br />
por antigos agravos ao nosso narcisismo, ao nosso amor-próprio. Por que a<br />
natureza não nos deu os dourados cachos de cabelo de Balder ou a força de<br />
Siegfried, ou a excelsa fronte do gênio, ou os nobres traços de um aristocrata?<br />
Por que nascemos numa casa simples e não no palácio real? Ser belo e nobre<br />
seria tão bom, para nós, quanto é para todos os que agora temos de invejar por<br />
isso.<br />
Mas é uma sutil economia da arte do poeta o fato de ele não deixar que seu<br />
herói exprima de forma aberta e integral todos os segredos de sua motivação.<br />
Assim ele nos obriga a completá-los, solicita a nossa atividade intelectual,<br />
afasta-a do pensamento crítico e nos mantêm presos à identificação com o herói.<br />
Em seu lugar, um ignorante daria expressão consciente a tudo o que ele<br />
pretende nos comunicar, e se defrontaria com a nossa inteligência fria e desembaraçada,<br />
que torna impossível o aprofundamento da ilusão.<br />
Antes de abandonarmos as “exceções”, porém, observemos que tem o<br />
mesmo fundamento a reivindicação das mulheres por privilégios e dispensa de<br />
muitas restrições da vida. Conforme aprendemos no trabalho psicanalítico, as<br />
mulheres se veem como prejudicadas na infância, imerecidamente privadas de<br />
um pedaço e relegadas a segundo plano, e o amargor de muitas filhas para com<br />
suas mães tem raiz, afinal, na objeção de que as trouxeram ao mundo como<br />
mulheres, em vez de homens.<br />
II. OS QUE FRACASSAM<br />
NO TRIUNFO