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Quando o médico realiza o tratamento psicanalítico de um neurótico, de modo<br />
algum dirige o interesse apenas ao caráter dele. Quer saber, antes de mais<br />
nada, o que significam seus sintomas, que impulsos instintuais se escondem<br />
por trás deles e mediante eles se satisfazem, e que etapas foram percorridas no<br />
misterioso caminho entre os desejos instintuais e os sintomas. Mas a técnica<br />
que tem de seguir obriga o médico a voltar sua curiosidade imediata para outros<br />
objetos. Ele nota que sua investigação é ameaçada por resistências que o<br />
enfermo lhe opõe, e que tais resistências podem ser atribuídas ao caráter do enfermo.<br />
Então é esse caráter que reclama primeiramente o seu interesse.<br />
O que contraria os esforços do médico nem sempre são os traços de caráter<br />
que o paciente admite como seus e que lhe são atribuídos pelos que o cercam.<br />
Frequentemente, particularidades que ele parecia ter apenas em grau modesto<br />
surgem com insuspeitado vigor, ou nele se manifestam atitudes que não<br />
haviam sido reveladas em outras circunstâncias da vida. Nas páginas que<br />
seguem nos ocuparemos da descrição e derivação de alguns desses surpreendentes<br />
traços de caráter.<br />
I. AS EXCEÇÕES<br />
O trabalho psicanalítico sempre se vê defrontado com a tarefa de fazer o<br />
doente renunciar à obtenção imediata e fácil de prazer. Não se pede que ele renuncie<br />
ao prazer em geral; isso não se pode esperar de nenhum ser humano, e<br />
mesmo a religião tem que fundamentar sua exigência de abandono do prazer<br />
terreno com a promessa de um montante incomparavelmente maior de um<br />
prazer mais valioso. Não, pede-se ao doente que renuncie apenas às satisfações<br />
que inevitavelmente terão consequências nocivas; ele deve apenas experimentar<br />
uma privação temporária, aprender a trocar a imediata obtenção de prazer<br />
por uma mais segura, ainda que adiada. Em outras palavras, espera-se que, sob<br />
a direção do médico, ele realize o avanço do princípio do prazer ao princípio da