03.03.2017 Views

Freud

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

floresça apenas uma noite, ela não nos parecerá menos formosa por isso. Tampouco<br />

posso compreender por que a beleza e a perfeição de uma obra de arte<br />

ou de uma realização intelectual deveriam ser depreciadas por sua limitação no<br />

tempo. Talvez chegue o dia em que os quadros e estátuas que hoje admiramos<br />

se reduzam a pó, ou que nos suceda uma raça de homens que não mais entenda<br />

as obras de nossos poetas e pensadores, ou que sobrevenha uma era geológica<br />

em que os seres vivos deixem de existir sobre a Terra; mas se o valor de tudo<br />

quanto é belo e perfeito é determinado somente por seu significado para a<br />

nossa vida emocional, não precisa sobreviver a ela, e portanto independe da<br />

duração absoluta.<br />

Essas considerações me pareceram incontestáveis, mas notei que não<br />

produziam impressão no poeta e no amigo. O fracasso me levou a concluir que<br />

um poderoso fator emocional estava em ação, perturbando o julgamento deles,<br />

e depois acreditei que eu tinha encontrado. Deve ter sido uma revolta psíquica<br />

contra o luto, o que depreciava para eles a fruição do belo. Imaginar que essa<br />

beleza é transitória deu àqueles seres sensíveis um gosto antecipado do luto<br />

pela sua ruína, e como a psique recua instintivamente diante de tudo que é doloroso,<br />

eles sentiram o seu gozo da beleza prejudicado pelo pensamento de sua<br />

transitoriedade.<br />

Para o leigo, o luto pela perda de algo que amamos ou admiramos parece<br />

tão natural, que ele o considera evidente por si mesmo. Para o psicólogo,<br />

porém, o luto é um grande enigma, um desses fenômenos que em si não são<br />

explicados, mas a que se relacionam outras coisas obscuras. Nós possuímos —<br />

assim imaginamos — uma certa medida de capacidade amorosa, chamada libido,<br />

que no começo do desenvolvimento se dirigia para o próprio Eu. Depois,<br />

mas ainda bastante cedo, ela se dirige para os objetos, os quais, por assim<br />

dizer, incorporamos em nosso Eu. Se os objetos são destruídos, ou se os perdemos,<br />

nossa capacidade amorosa (libido) é novamente liberada; pode então<br />

recorrer a outros objetos em substituição, ou regressar temporariamente ao<br />

Eu. Mas por que esse desprendimento da libido de seus objetos deve ser um<br />

187/225

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!