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Freud

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Façamos agora um resumo. Nosso inconsciente é tão inacessível à ideia da<br />

própria morte, tão ávido por matar estranhos, tão dividido (ambivalente) em<br />

relação à pessoa amada como o homem das primeiras eras. Mas como nos<br />

afastamos desse estado primevo em nossa atitude cultural-convencional diante<br />

da morte!<br />

É fácil ver como a guerra interfere nessa dicotomia. Ela nos despe das camadas<br />

de cultura posteriormente acrescidas e faz de novo aparecer o homem<br />

primitivo em nós. Ela nos força novamente a ser heróis, que não conseguem<br />

crer na própria morte; ela nos assinala os estranhos como inimigos cuja morte<br />

se deve causar ou desejar; ela nos recomenda não considerar a morte de pessoas<br />

amadas. Mas a guerra não pode ser eliminada; enquanto as condições de<br />

existência dos povos forem tão diferentes, e tão fortes as aversões entre eles, há<br />

de haver guerras. Então se apresenta a pergunta: não deveríamos ceder e nos<br />

adaptar a ela? Não deveríamos admitir que com nossa atitude cultural diante<br />

da morte vivemos psicologicamente acima de nossos meios, mais uma vez, e<br />

voltar atrás e reconhecer a verdade? Não seria melhor dar à morte o lugar que<br />

lhe cabe, na realidade e em nossos pensamentos, e pôr um pouco mais à mostra<br />

nossa atitude inconsciente ante a morte, que até agora reprimimos cuidadosamente?<br />

Isso não parece uma realização maior, seria antes um passo atrás<br />

em vários aspectos, uma regressão, mas tem a vantagem de levar mais em conta<br />

a verdade e nos tornar a vida novamente suportável. Suportar a vida continua<br />

a ser o primeiro dever dos vivos. A ilusão perde o valor se nos atrapalha<br />

nisso.<br />

Recordemo-nos do velho ditado: Si vis pacem, para bellum. Se queres conservar<br />

a paz, prepara-te para a guerra.<br />

No momento atual caberia mudá-lo: Si vis vitam, para mortem. Se queres<br />

aguentar a vida, prepara-te para a morte.

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