Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
182/225<br />
Façamos agora um resumo. Nosso inconsciente é tão inacessível à ideia da<br />
própria morte, tão ávido por matar estranhos, tão dividido (ambivalente) em<br />
relação à pessoa amada como o homem das primeiras eras. Mas como nos<br />
afastamos desse estado primevo em nossa atitude cultural-convencional diante<br />
da morte!<br />
É fácil ver como a guerra interfere nessa dicotomia. Ela nos despe das camadas<br />
de cultura posteriormente acrescidas e faz de novo aparecer o homem<br />
primitivo em nós. Ela nos força novamente a ser heróis, que não conseguem<br />
crer na própria morte; ela nos assinala os estranhos como inimigos cuja morte<br />
se deve causar ou desejar; ela nos recomenda não considerar a morte de pessoas<br />
amadas. Mas a guerra não pode ser eliminada; enquanto as condições de<br />
existência dos povos forem tão diferentes, e tão fortes as aversões entre eles, há<br />
de haver guerras. Então se apresenta a pergunta: não deveríamos ceder e nos<br />
adaptar a ela? Não deveríamos admitir que com nossa atitude cultural diante<br />
da morte vivemos psicologicamente acima de nossos meios, mais uma vez, e<br />
voltar atrás e reconhecer a verdade? Não seria melhor dar à morte o lugar que<br />
lhe cabe, na realidade e em nossos pensamentos, e pôr um pouco mais à mostra<br />
nossa atitude inconsciente ante a morte, que até agora reprimimos cuidadosamente?<br />
Isso não parece uma realização maior, seria antes um passo atrás<br />
em vários aspectos, uma regressão, mas tem a vantagem de levar mais em conta<br />
a verdade e nos tornar a vida novamente suportável. Suportar a vida continua<br />
a ser o primeiro dever dos vivos. A ilusão perde o valor se nos atrapalha<br />
nisso.<br />
Recordemo-nos do velho ditado: Si vis pacem, para bellum. Se queres conservar<br />
a paz, prepara-te para a guerra.<br />
No momento atual caberia mudá-lo: Si vis vitam, para mortem. Se queres<br />
aguentar a vida, prepara-te para a morte.