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nos permitimos reconhecer quando é expressa de modo sério e franco. Sabe-se<br />
que brincando podemos dizer até mesmo a verdade.<br />
Assim como para o homem primevo, também para o nosso inconsciente há<br />
um caso em que as duas atitudes opostas em relação à morte, uma que a admite<br />
como aniquilação da vida, outra que a nega como sendo irreal, se chocam e entram<br />
em conflito. E esse caso é, como na pré-história, a morte ou o risco de<br />
morte de um dos nossos amores, de um genitor ou cônjuge, um irmão, filho ou<br />
amigo dileto. Esses amores são para nós uma propriedade interior, componentes<br />
de nosso próprio Eu, mas também estranhos em parte, e mesmo inimigos.<br />
O mais terno e mais íntimo de nossos laços amorosos tem, com ressalva<br />
de bem poucas situações, um quê de hostilidade que pode incitar o desejo inconsciente<br />
de morte. Mas o que resulta desse conflito ligado à ambivalência<br />
não é, como outrora, a doutrina da alma e a ética, e sim a neurose, que nos<br />
permite profundos relances também da vida psíquica normal. Com que frequência<br />
os médicos praticantes da psicanálise não lidaram com o sintoma da<br />
exagerada preocupação pelo bem-estar dos próximos, ou com autorrecriminações<br />
totalmente infundadas após a morte de uma pessoa amada. O estudo<br />
desses casos não lhes deixou dúvidas a respeito da difusão e importância dos<br />
desejos de morte inconscientes.<br />
O leigo sente um horror enorme ante a possibilidade de tais sentimentos, e<br />
vê nessa aversão um fundamento legítimo para descrer das afirmações da psicanálise.<br />
Erradamente, me parece. Não se pretende fazer nenhuma degradação<br />
da nossa vida amorosa, e de fato não se achará isso aqui. Sem dúvida é algo<br />
distante de nosso entendimento e nossa sensibilidade juntar de tal maneira o<br />
amor e o ódio, mas a natureza, trabalhando com esse par de opostos, logra<br />
manter o amor sempre alerta e fresco, para garanti-lo contra o ódio que por<br />
trás o espreita. É lícito dizer que os mais belos desdobramentos de nossa vida<br />
amorosa se devem à reação contra o impulso hostil que sentimos em nosso<br />
peito.<br />
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