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Freud

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nos permitimos reconhecer quando é expressa de modo sério e franco. Sabe-se<br />

que brincando podemos dizer até mesmo a verdade.<br />

Assim como para o homem primevo, também para o nosso inconsciente há<br />

um caso em que as duas atitudes opostas em relação à morte, uma que a admite<br />

como aniquilação da vida, outra que a nega como sendo irreal, se chocam e entram<br />

em conflito. E esse caso é, como na pré-história, a morte ou o risco de<br />

morte de um dos nossos amores, de um genitor ou cônjuge, um irmão, filho ou<br />

amigo dileto. Esses amores são para nós uma propriedade interior, componentes<br />

de nosso próprio Eu, mas também estranhos em parte, e mesmo inimigos.<br />

O mais terno e mais íntimo de nossos laços amorosos tem, com ressalva<br />

de bem poucas situações, um quê de hostilidade que pode incitar o desejo inconsciente<br />

de morte. Mas o que resulta desse conflito ligado à ambivalência<br />

não é, como outrora, a doutrina da alma e a ética, e sim a neurose, que nos<br />

permite profundos relances também da vida psíquica normal. Com que frequência<br />

os médicos praticantes da psicanálise não lidaram com o sintoma da<br />

exagerada preocupação pelo bem-estar dos próximos, ou com autorrecriminações<br />

totalmente infundadas após a morte de uma pessoa amada. O estudo<br />

desses casos não lhes deixou dúvidas a respeito da difusão e importância dos<br />

desejos de morte inconscientes.<br />

O leigo sente um horror enorme ante a possibilidade de tais sentimentos, e<br />

vê nessa aversão um fundamento legítimo para descrer das afirmações da psicanálise.<br />

Erradamente, me parece. Não se pretende fazer nenhuma degradação<br />

da nossa vida amorosa, e de fato não se achará isso aqui. Sem dúvida é algo<br />

distante de nosso entendimento e nossa sensibilidade juntar de tal maneira o<br />

amor e o ódio, mas a natureza, trabalhando com esse par de opostos, logra<br />

manter o amor sempre alerta e fresco, para garanti-lo contra o ódio que por<br />

trás o espreita. É lícito dizer que os mais belos desdobramentos de nossa vida<br />

amorosa se devem à reação contra o impulso hostil que sentimos em nosso<br />

peito.<br />

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