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Freud

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esposta tem de ser: quase a mesma daquela do homem primevo. Neste, como<br />

em muitos outros aspectos, o homem da pré-história continua a viver inalterado<br />

em nosso inconsciente. Portanto, nosso inconsciente não crê na própria<br />

morte, faz como se fosse imortal. O que chamamos de nosso “inconsciente”, as<br />

camadas mais profundas de nossa alma, constituídas de impulsos instintuais,<br />

não conhece em absoluto nada negativo, nenhuma negação — nele os opostos<br />

coincidem —, e por isso não conhece tampouco a própria morte, a qual só podemos<br />

dotar de um conteúdo negativo. Logo, não existe em nós nada instintual<br />

que favoreça a crença na morte. Talvez esteja aí o segredo do heroísmo. A<br />

fundamentação racional do heroísmo repousa no julgamento de que a própria<br />

vida da pessoa não pode ser tão valiosa quanto certos bens abstratos e universais.<br />

Mas acho que bem mais frequente deve ser o heroísmo instintivo e impulsivo,<br />

* que não considera tal motivação e enfrenta os perigos simplesmente<br />

conforme a certeza do João Bate-Pedra, de Anzengruber: “Nada te pode<br />

acontecer!”. * Ou tal motivação serve apenas para afastar os escrúpulos que poderiam<br />

deter a reação heroica que corresponde ao inconsciente. Já o medo da<br />

morte, que com frequência nos domina mais do que pensamos, é algo secundário,<br />

e em geral proveniente da consciência de culpa.<br />

Por outro lado, admitimos a morte para estranhos e inimigos e os condenamos<br />

a ela com a mesma disposição e leveza que o homem primitivo. Mas aqui<br />

há uma diferença que na realidade consideraremos decisiva. Nosso inconsciente<br />

não executa o assassínio, apenas o imagina e deseja. Não seria justo,<br />

porém, subestimar tão completamente essa realidade psíquica, em comparação<br />

à fática. Ela é significativa e prenhe de consequências. Em nossos impulsos inconscientes<br />

eliminamos, a todo dia e momento, todos os que nos estorvam o<br />

caminho, que nos ofenderam e prejudicaram. O “Vá para o inferno!”, que não<br />

raro nos vem aos lábios com mau humor brincalhão, e que na verdade quer<br />

dizer “Que a morte o leve!”, é em nosso inconsciente um desejo sério e vigoroso<br />

de morte. Sim, o nosso inconsciente mata inclusive por ninharias; como a<br />

antiga legislação ateniense de Draco, não conhece outro castigo senão a morte,<br />

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