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Freud

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ainda se acham na terra, e que certamente estão mais próximos do homem<br />

primevo do que nós, conduzem-se de maneira diferente nesse ponto — ou<br />

conduziam-se, na medida em que não tenham ainda experimentado a influência<br />

de nossa cultura. O selvagem — australiano, bosquímano, fueguino — não<br />

é absolutamente um matador sem remorso; ao retornar vitorioso de uma expedição<br />

guerreira, ele não pode pisar o chão de sua aldeia nem tocar em sua<br />

mulher sem antes expiar, por meio de penitências às vezes prolongadas e trabalhosas,<br />

os atos assassinos que cometeu na guerra. É fácil, naturalmente, atribuir<br />

isso à superstição: o selvagem ainda teme a vingança dos espíritos dos<br />

que abateu. Mas os espíritos dos inimigos abatidos não são outra coisa que a<br />

expressão de sua má consciência devido à “dívida de sangue”; por trás dessa<br />

superstição está um quê de sensibilidade ética que nós, homens civilizados, já<br />

perdemos. *<br />

Almas piedosas, que bem gostariam de ver nossa natureza longe do contato<br />

com o que for mau e vulgar, certamente não perderão a oportunidade de fazer,<br />

a partir da precocidade e do caráter imperioso da proibição de matar, inferências<br />

confortantes a respeito da força dos impulsos éticos que estariam arraigados<br />

em nós. Mas infelizmente esse argumento prova antes o contrário. Uma<br />

proibição tão forte pode se dirigir apenas a um impulso igualmente forte. O<br />

que nenhuma alma humana cobiça não é necessário proibir, exclui-se por si<br />

mesmo. A própria ênfase da proibição, “Não matarás”, dá-nos a certeza de vir<br />

de uma interminável série de gerações de assassinos, nos quais o prazer em<br />

matar, como talvez em nós mesmos ainda, estava no sangue. As aspirações éticas<br />

da humanidade, cujo vigor e importância não carece discutir, são uma<br />

conquista da história humana; em medida infelizmente muito instável,<br />

tornaram-se patrimônio herdado dos homens de hoje.<br />

Deixemos agora o homem primevo, voltando-nos para o inconsciente em<br />

nossa própria vida psíquica. Aqui nos apoiamos inteiramente no método de investigação<br />

da psicanálise, o único que atinge essas profundezas. Qual é, perguntamos,<br />

a atitude de nosso inconsciente ante o problema da morte? A

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