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ainda se acham na terra, e que certamente estão mais próximos do homem<br />
primevo do que nós, conduzem-se de maneira diferente nesse ponto — ou<br />
conduziam-se, na medida em que não tenham ainda experimentado a influência<br />
de nossa cultura. O selvagem — australiano, bosquímano, fueguino — não<br />
é absolutamente um matador sem remorso; ao retornar vitorioso de uma expedição<br />
guerreira, ele não pode pisar o chão de sua aldeia nem tocar em sua<br />
mulher sem antes expiar, por meio de penitências às vezes prolongadas e trabalhosas,<br />
os atos assassinos que cometeu na guerra. É fácil, naturalmente, atribuir<br />
isso à superstição: o selvagem ainda teme a vingança dos espíritos dos<br />
que abateu. Mas os espíritos dos inimigos abatidos não são outra coisa que a<br />
expressão de sua má consciência devido à “dívida de sangue”; por trás dessa<br />
superstição está um quê de sensibilidade ética que nós, homens civilizados, já<br />
perdemos. *<br />
Almas piedosas, que bem gostariam de ver nossa natureza longe do contato<br />
com o que for mau e vulgar, certamente não perderão a oportunidade de fazer,<br />
a partir da precocidade e do caráter imperioso da proibição de matar, inferências<br />
confortantes a respeito da força dos impulsos éticos que estariam arraigados<br />
em nós. Mas infelizmente esse argumento prova antes o contrário. Uma<br />
proibição tão forte pode se dirigir apenas a um impulso igualmente forte. O<br />
que nenhuma alma humana cobiça não é necessário proibir, exclui-se por si<br />
mesmo. A própria ênfase da proibição, “Não matarás”, dá-nos a certeza de vir<br />
de uma interminável série de gerações de assassinos, nos quais o prazer em<br />
matar, como talvez em nós mesmos ainda, estava no sangue. As aspirações éticas<br />
da humanidade, cujo vigor e importância não carece discutir, são uma<br />
conquista da história humana; em medida infelizmente muito instável,<br />
tornaram-se patrimônio herdado dos homens de hoje.<br />
Deixemos agora o homem primevo, voltando-nos para o inconsciente em<br />
nossa própria vida psíquica. Aqui nos apoiamos inteiramente no método de investigação<br />
da psicanálise, o único que atinge essas profundezas. Qual é, perguntamos,<br />
a atitude de nosso inconsciente ante o problema da morte? A