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corpo do inimigo abatido, mas sem ver razão para quebrar a cabeça com os enigmas<br />
da vida e da morte. Não seria o enigma intelectual, nem qualquer morte,<br />
que teria liberado a pesquisa humana, mas sim o conflito de sentimentos por<br />
ocasião da morte de pessoas amadas e ao mesmo tempo estranhas e odiadas.<br />
Desse conflito de sentimentos nasceu em primeiro lugar a psicologia. O<br />
homem não podia mais manter a morte a distância, já que a havia provado na<br />
dor pelos falecidos, mas não queria admiti-la, por não poder imaginar-se<br />
morto. Então incorreu em compromissos: admitiu a morte também para si,<br />
mas contestou-lhe o significado de aniquilamento da vida, algo que não tivera<br />
motivos para fazer, quando da morte de um inimigo. Junto ao cadáver de alguém<br />
que amara ele inventou espíritos, e a consciência de culpa pela satisfação<br />
que se mesclava ao luto fez com que tais espíritos recém-criados se tornassem<br />
maus demônios que inspiravam medo. As modificações trazidas pela morte o<br />
levaram a decompor o indivíduo em um corpo e uma alma — originalmente<br />
várias almas. De tal maneira o seu curso de pensamento seguia paralelo ao<br />
processo de desintegração que a morte introduz. A contínua lembrança dos<br />
falecidos tornou-se a base para supor outras formas de existência, deu-lhe a<br />
ideia de uma sobrevida após a morte aparente.<br />
No início, essas existências posteriores eram somente apêndices àquela arrematada<br />
pela morte, espectrais, vazias de substância e menosprezadas até uma<br />
época tardia; ainda possuíam o caráter de mísero expediente. Recordemos o<br />
que a alma de Aquiles responde a Ulisses:<br />
“Pois antes, quando eras vivo, nós Argivos te dávamos<br />
iguais às dos deuses; e agora reinas poderosamente sobre os mortos,<br />
tendo vindo para aqui: não te lamentes por teres morrido, ó Aquiles.”<br />
Assim falei; e ele, tomando a palavra, respondeu-me deste modo:<br />
“Não tentes reconciliar-me com a morte, ó glorioso Ulisses.<br />
Eu preferiria estar na terra, como servo de outro,<br />
honras