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Freud

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corpo do inimigo abatido, mas sem ver razão para quebrar a cabeça com os enigmas<br />

da vida e da morte. Não seria o enigma intelectual, nem qualquer morte,<br />

que teria liberado a pesquisa humana, mas sim o conflito de sentimentos por<br />

ocasião da morte de pessoas amadas e ao mesmo tempo estranhas e odiadas.<br />

Desse conflito de sentimentos nasceu em primeiro lugar a psicologia. O<br />

homem não podia mais manter a morte a distância, já que a havia provado na<br />

dor pelos falecidos, mas não queria admiti-la, por não poder imaginar-se<br />

morto. Então incorreu em compromissos: admitiu a morte também para si,<br />

mas contestou-lhe o significado de aniquilamento da vida, algo que não tivera<br />

motivos para fazer, quando da morte de um inimigo. Junto ao cadáver de alguém<br />

que amara ele inventou espíritos, e a consciência de culpa pela satisfação<br />

que se mesclava ao luto fez com que tais espíritos recém-criados se tornassem<br />

maus demônios que inspiravam medo. As modificações trazidas pela morte o<br />

levaram a decompor o indivíduo em um corpo e uma alma — originalmente<br />

várias almas. De tal maneira o seu curso de pensamento seguia paralelo ao<br />

processo de desintegração que a morte introduz. A contínua lembrança dos<br />

falecidos tornou-se a base para supor outras formas de existência, deu-lhe a<br />

ideia de uma sobrevida após a morte aparente.<br />

No início, essas existências posteriores eram somente apêndices àquela arrematada<br />

pela morte, espectrais, vazias de substância e menosprezadas até uma<br />

época tardia; ainda possuíam o caráter de mísero expediente. Recordemos o<br />

que a alma de Aquiles responde a Ulisses:<br />

“Pois antes, quando eras vivo, nós Argivos te dávamos<br />

iguais às dos deuses; e agora reinas poderosamente sobre os mortos,<br />

tendo vindo para aqui: não te lamentes por teres morrido, ó Aquiles.”<br />

Assim falei; e ele, tomando a palavra, respondeu-me deste modo:<br />

“Não tentes reconciliar-me com a morte, ó glorioso Ulisses.<br />

Eu preferiria estar na terra, como servo de outro,<br />

honras

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